Por: Marcos Aurélio Chagas.
A Confederação Brasileira de Surf vai dar início a um dos circuitos mais simbólicos e significativos para o que hoje conhecemos como surfe profissional brasileiro. Ela anunciou semana passada duas etapas do Circuito CBSurf Master 2022, esse circuito será uma verdadeira celebração a história de nosso esporte.
Dentre as tantas categorias que se incluem no conceito Master, duas delas são especiais, trata-se das Categorias Grand Kahuna e Legends, para atletas acima dos 50 e 55 anos, essas categorias comportam a geração daqueles que construíram o surfe profissional no Brasil, juntos com a ABRASP, (Associação Brasileira dos Surfistas Profissionais) uma geração que no longínquo ano de 1987 coroou Paulinho do Tombo como o primeiro campeão brasileiro da história.
Naquele ano o circuito brasileiro teve cinco etapas, todas elas com praias lotadas, o lifestyle do surfe efervescia no litoral brasileiro, a indústria funcionava a todo vapor, marcas internacionais chegavam com toda força no Brasil, (isso merece um capítulo especial, mas não hoje) as nacionais vendiam mais que água, Fico, Plancton, Pier, Cantão, Quebra-Mar, Tico, Redley, Nativas, Company e muitas outras fortaleciam a cultura e o mercado do surfe, mas o grande sonho de consumo de jovens surfistas e não surfistas à época era a Hang Loose, sim, a “pregueteragem” queria ser do surfe, todos queriam vestir uma bermuda ou uma camisa Hang Loose na praça principal do bairro ou da cidade, a noite. Em Olivença, a pracinha lotava de “preguetêro” fingindo ser surfista, os caras paravam seus carros, abriam a porta e todos escutavam os sons que saiam lá de dentro, ao invés de Midnight Oil, Hoodoo Gurus ou Australian Crawl, tocava Village People, Erasure e Pet Shop Boys, até as meninas já sabiam que aquilo era fake, mas sim, os caras queriam parecer surfistas, para isso, usavam o símbolo máximo do surf wear, a Hang Loose. No quesito pranchas, existiam muitas marcas fortes, Shine, Summer Birds, Hot Stick, Ripwave, Tropical Brasil e etc, contudo a Cristal Graffiti era a prancha que dez entre dez jovens surfistas sonhavam ter.
Voltando ao circuito de 1987, existiam expectativas sobre muitos nomes, Picuruta Salazar era alguém de quem se nutria muitas expectativas sobre o título, afinal o “Gato” era o maior vencedor de campeonatos pelo Brasil à fora, Dadá Figueiredo representava o novo, seu surfe era à frente de seu tempo, Dadá era incompreendido pelo julgamento, naquela época o surfe de Dadá já era aquilo que hoje chamamos de progressivo, mas a grande aposta de todos era um fenômeno carioca, um garoto alto e magro que tinha um surfe muito consistente. Com borda impecável, velocidade acima da média, ataques verticais ao lip e estilo refinado, o jovem chamado Pedro Muller, era tido pela maioria como o grande nome para ser o primeiro campeão brasileiro, mas a vida real nem sempre anda de mãos dadas com as expectativas, faltou combinar esse enredo com Paulo Matos, mais conhecido como Paulinho do Tombo.
Logo na primeira etapa do circuito, na praia de Joaquina, Florianópolis/SC, no saudoso OP Pro, com 532 inscritos entre surfe profissional, amador, bodyboard e kneeboard, Paulinho do Tombo mostrou suas credenciais vencendo o evento, na final Paulinho bateu o estiloso Rodolfo Lima, que logo no início da bateria cometeu uma interferência, na semifinal Paulinho havia vencido a fera Pedro Muller. Paulinho do Tombo abriu o circuito vencendo a etapa e terminou o circuito como o grande campeão, o OP Pro foi a única etapa que ele levantou o caneco naquele ano. Paulinho venceu a competição profissional e Ricardo Tatuí venceu a categoria amador.
A segunda etapa foi o Lightning Bolt em Pitangueiras, Guarujá/SP, o paulista radicado em Santa Catarina, Fernando Corrêa, venceu Pedro Muller na final, esse campeonato ficou marcado pela ondulação pesada todos os dias, na final, tinha três metros de onda, isso em uma época que existia muito sufoco e nenhum JetSky.
A terceira etapa, o Sundek Classic em Itamambuca, Ubatuba/SP, serviu de parâmetro para sabermos quem era quem na corrida pelo título, no jogo de expectativa versus realidade, Pedro Muller, mesmo sem vencer, continuava a ser a grande aposta, o nome mais sólido e seguro para conquistar o título, apresar de ter feito nesta etapa sua pior colocação até então, 5ª posição, ele tinha ficado com a 3ª e 2ª posição nas etapas anteriores, ao final do Sundek Classic, o Águia aparecia na liderança do circuito, com Amaro e Paulinho, dois dos três irmãos “Tombo” na sua cola, dividindo a segunda posição do ranking. Amaro acabava de vencer o Sundek Classic derrotando o pernambucano Carlos Burle na final.
Duas coisas me chamaram atenção nesse campeonato. A primeira: A camiseta de competição com duas tirinhas na lateral, essa camiseta era algo bizarramente fashion, uma coisa digna de SP Fashion Week, tipo tendência, aquilo que você vê no palco mas nunca vai usar, como diria meu amigo Marcelo Andrade, aquilo era "horrorooooso", como se pode notar na foto de David Husadel. A segunda: Nascia ali uma das maiores lendas do surfe brasileiro de todos os tempos, o vencedor da categoria amadora da etapa e primeiro campeão mundial do Brasil em qualquer categoria, o até então desconhecido "Fábio Fia Fabuloso Gouveia Tuííí Tuare Tudere Hare Days", Fabinho derrotou na final ninguém menos que Wagner Pupo, Felipe Silveira e Piu Pereira, 2ª, 3ª e 4ª colocação respectivamente.
A etapa seguinte foi uma verdadeira festa, com praia lotada, sol, boas ondas e mega estrutura, o Fico Surf Festival em Stella Maris, Salvador/BA, a única etapa a acontecer no Nordeste naquele ano, trouxe a entourage do surfe brasileiro para a boa terra, com apresentações discretas dos locais Jojó, Olimpinho (RIP), Ricardo BC e Naldo Nogueira, todo o protagonismo recaiu mais uma vez sobre o líder Pedro Muller e o vice-líder Paulinho do Tombo, que saíram de Salvador como campeão e vice-campeão da etapa, Águia saiu de Salvador mais líder ainda, ao vencer sua primeira e única etapa esse ano, mas Paulinho estava em sua cola.
A última e decisiva etapa aconteceu em Itaúna, Saquarema/RJ, o Town & Country Pro. A quinta etapa do circuito brasileiro apresentava ao Brasil seu quinto vencedor diferente, em uma batalha de goofys o carioca Fred D´Orey que já havia derrotado o também goofy Neno do Tombo na semifinal, derrotava na final o já declarado Campeão Brasileiro, irmão do meio do Neno e também goofy, Paulinho do Tombo. Pedro Muller havia perdido nas fases anteriores e terminou o circuito com o vice-campeonato. Com o final do circuito formou-se a primeira elite do surfe brasileiro, os denominados TOP16, a foto abaixo reúne todos eles.
1º Paulo Matos (SP), 2º Pedro Müller (RJ), 3º Neno Matos(SP), 4º Nelson Ferreira(ES), 5º Carlos Burle (PE), 6º Amaro Matos (SP), 7º Frederico D'Orey (RJ), 8º Rodolfo Lima (RJ), 9º Picuruta Salazar (SP), 10º Eraldo Gueiros (PE), 11º Cauli Rodrigues (RJ), 12º Felipe Dantas (RN), 13º David Husadel (SC), 14º Dadá Figueiredo (RJ), 15º Fernando Corrêa (SP), 16º Sérgio Noronha (RJ).
No ano seguinte, em 1988, Jojó que havia terminado em 1987 como Back 14, chegou arrebatador e se tornou o segundo campeão brasileiro de surfe profissional, Pedro Muller só veio a se tornar campeão em 1989, no terceiro ano do circuito.
O Circuito Brasileiro de Surfe Profissional foi criado em 1987 e até 1991 foram realizadas 31 etapas. Em 1992 a ASP criou as duas divisões do tour mundial e a coisa ficou meio confusa, o ranking nacional passou ser definido pelas etapas do WQS no Brasil, abertas a participação de estrangeiros, funcionou assim até a criação do SuperSurf em 2000, quando a disputa do título nacional voltou a acontecer em um circuito restrito a brasileiros.
Esses primeiros anos de 1987 a 1991 foram fundamentais para consolidar o surfe profissional no Brasil, preparando o terreno para o salto seguinte, a afirmação de nossos surfistas no cenário internacional.
Entre os maiores vencedores desse período, destaque absoluto para Pedro Muller, veja a relação de campeões entre 1987 e 1991.
Pedro Muller venceu seis etapas, Jojó e Tinguinha venceram três etapas cada, Paulinho do Tombo, Picuruta, Wagner Pupo e Ricardo Toledo venceram duas etapas, Fernando Corrêa, Amaro Matos, Fred D'Orey, Roberto Casquinha (RIP), Sérgio Noronha, Fernando Bittencourt, Paulo Kid, David Husadel, Douglas Lima, Flávio Padaratz e Zé Paulo, venceram uma etapa cada.
O circuito CBSurf Master, traz boa parte desses caras que construíram a história de nosso esporte, competindo nas categorias Grand Kahuna e Legends. Jojó de Olivença, Fábio Gouveia, Sergio Noronha, Ricardo Tatuí e Victor Ribas já confirmaram a Vision que irão participar, Rodolfo Lima se machucou surfando, por isso ainda não sabe se vai ter condição de competir ou não. Além dos já confirmados, meu saudosismo ficaria feliz em ver nomes como: Dadá Figueiredo, Tinguinha Lima, Wagner Pupo, Paulo Kid, Davi Husadel, Fred D`Orey, Renato Phebo, Piu Pereira, Renan Rocha, Carlos Burle, Eraldo Gueiros, Claudio Marroquim, Otávio Lima, Guga Arruda, Nelson Ferreira e outros competindo, contudo, não conseguimos a informação dos inscritos com a CBSurf, espero que eles estejam presentes para celebrar esse renascimento do surfe brasileiro.
A primeira etapa, o CBSurf Itacoatiara Master, será realizada em Itacoatiara, Niterói/RJ, terra da lenda Ricardo Tatuí, nos dias 14, 15 e 16 de outubro. A segunda, o CBSurf Búzios Master, será na semana seguinte, em Geribá, Búzios/RJ, nos dias 21, 22 e 23 de outubro.
O importante, o irreversível, o definitivo, o claro nessa história toda é que esses caras serão importantes nas histórias uns dos outros para sempre, assim como serão na história do surfe brasileiro, eles são do tamanho da história que escreveram. Independente de quantos títulos mundiais ainda tenhamos pela frente, a história que estamos escrevendo hoje, só existe porque esse grupo de surfistas tiveram a coragem de se rebelarem e profissionalizarem um esporte que era tão admirado quanto contestado.
Como a categoria Master se estabelece aos 35 anos, nomes como Adriano de Souza, Willian Cardoso, Raoni Monteiro e Paulo Moura, surfistas que estão correndo o circuito brasileiro profissional da CBSurf, caso queiram, podem competir.
A história do surfe profissional brasileiro passará diante de você, celebre esse reencontro ao vivo pelo Youtube da Confederação, conheça um pouco mais daqueles que sopraram os primeiros ventos da tempestade que existe hoje.
PS.: Tradução do Dicionário papa-jaca: Preguetêro = Playboy | Pregueteragem = Playboyzada
PS.: Quem souber os créditos das fotos, favor informar por direct.
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