Por: Marcos Aurélio Chagas.
Filipe Toledo definitivamente encontrou o caminho para seu bicampeonato, com sua terceira vitória em J-Bay, Filipe abriu uma vantagem tão solida no ranking que, ainda que Ethan (2º) e Griffin (3º), vençam em Teahupoo, o que é pouco provável, dificilmente eles conseguem ultrapassar Filipe, o brasileiro olha no retrovisor e enxerga os adversários mais próximos há sete mil pontos de distância, é muita distancia para ser recuperada em pouco percurso, dito isso, vamos a J-bay.
Apesar de ter apresentado na terça, o melhor dia de surfe competitivo no ano, em linhas gerais a Baia do Jeffreys quebrou bem abaixo de suas possibilidades, esse tem sido um ano avesso ao conceito de “Dream Tour” que a ASP desenhou lá atrás, pelos idos dos anos 90, todas as etapas deste ano aconteceram em condições bem abaixo do potencial dos picos, mas, para nossa sorte, os surfistas estão sempre explorando o seu melhor.
Com esse conceito em mente, Ryan Callinan surfou a maior onda da competição, executando quatro trauletadas, como meu amigo Edinho Leite gosta de se referir a grandes manobras no lip, em especial as grandes batidas, o aussie agrediu o lip com potência, inverteu direção, fez links limpos entre as manobras e conseguiu segurar a pressão de mais de 8Pés de onda quebrando na sua manobra de finalização, eu imaginei que viria um score de ao menos 9.50 pontos, para minha surpresa, retribuíram o Callinan com 8.70, digo para minha surpresa, porque seu adversário era ninguém menos que Gabriel Medina, e, Gabriel tinha surfado uma onda muito menor que a do Callinan, visivelmente como menos pressão nas manobras, recebendo 8.60, pela primeira vez em mais de uma década, tive a sensação de que Gabriel foi beneficiado, ai pensei, bem, foi um caso isolado e isso acontece, mas, a terça ainda reservava uma surpresa para preencher o baú de novidades.
Depois de ter a sensação de Gabriel ter sido ajudado, tive a forte sensação de que John John foi “mal julgado”, essa sensação foi tão forte que, além de mim, até o adversário de John John teve, Connor O´Leary saiu da bateria contra o havaiano precisando de 8.47, surfou uma boa onda, mas para os critérios do dia, chegar a essa nota parecia um exagero, o próprio Connor foi flagrado pela transmissão comentando com seu técnico, algo do tipo, foi uma boa onda, mas pequena, não acho que consiga a virada, para a visível surpresa de Connor, transmitida ao vivo enquanto ele tomava uma chuveirada, e do resto do mundo, ele conseguiu a virada com folga, recebendo surpreendentes 8.70. Você sabe que o resultado veio trocado quando até o vencedor se mostra surpreso com a vitória, enquanto isso, John John saia do mar com seu comportamento “Low Profile” de sempre, contudo, ao ver a resposta do havaiano em um comentário feito por seu irmão Nathan Florence, no Instagram da WSL, ficou claro que John John estava ferido na alma com esse resultado, Nathan escreveu: “Junte-se a mim, irmão. O Slab Tour está à sua espera” - John John respondeu: “Talvez seja a hora”. Depois da resposta de John John choveu comentários na postagem, milhares deles, em sua absoluta maioria criticando o resultado, acho que um deles resume bem o que muitos pensam neste momento: “Eu não dou a mínima para quem ganha isso, mas esse julgamento é terrível”, disse um seguidor gringo da entidade, ao que parece, não são apenas os brasileiros que estão irritados com o auto nível de subjetividade do julgamento, fortalecendo o sentimento de que é preciso ofertar atualizações constantes no quadro de juízes, contudo, ao invés disso, a política adotada parece ser a de ignorar todas as críticas e tudo que não seja positivo para a entidade, tornando o surfe em uma espécie de reality show apenas de coisas positivas e motivacionais, seguindo essa linha, a WSL ignorou até a contusão do Ítalo, um de seus principais surfistas, oremos e sigamos.
Filipe Toledo, Ethan Ewing e Griffin Colapinto já estão garantidos no WSL Finals e também nas Olimpíadas, contudo, Griffin mostra pelo terceiro ano seguido que ele perde forças no fim da temporada, suas apresentações no Brasil e na África do Sul foram para esquecer, apesar dele ser um dos mais perigosos surfistas da atualidade, ele precisa melhorar sua consistência se quiser realmente um título, ainda que esse título seja em Trestles.
Com a semifinal Gabriel Medina melhorou uma posição no ranking e é o mais forte candidato a ficar com uma das duas vagas que ainda estão abertas no WSL Finals, a próxima etapa é Teahupoo, onda onde ele já venceu duas vezes e fez outras três finais, é bom Chumbinho e Yago colocarem as barbas de molho, o tricampeão está com a sexta colocação, Teahupoo tem tudo para colocá-lo em Trestless.
Além de ter o surfe mais elegante do tour, Ethan Ewing vem se mostrando o mais consistente gringo da atualidade, Ethan venceu em J-Bay o ano passado, vem de uma final no Brasil e surfou sempre com o favoritismo, mesmo quando encontrou o mais voraz e vencedor surfista desta geração, Gabriel Medina, no duelo contra o tricampeão as táticas ficaram expostas, Ethan não mudou absolutamente nada, continuou com sua borda e base lip impecáveis, com as faces oferecidas pelas direitas de J-Bay, esse perfil de surfe se torna ainda mais poderoso, Gabriel abriu a bateria apostando em uma arma que Ethan não consegue usar, os aéreos, porém o vento e até um pouco de improviso, tiraram a prancha dos pés do brasileiro em todas as tentativas, o brasileiro virou a chave e passou a surfar também na borda, mas o tempo e a inconsistência do mar já eram seus principais adversários, Gabriel não conseguiu reagir, perdendo para Ethan pela terceira vez no ano, Bells, Surf Ranch e J-Bay.
Ainda dentro do mar, Gabriel viu a próxima bateria ter uma bela direita surfada com cinco segundos de confronto, Kanoa Igarashi abria a segunda semifinal contra Filipe Toledo, o japonês encontrou 8.0 pontos, largando seguro na frente, mas Filipe Toledo, além de campeão mundial, é conhecido como o melhor surfista do mundo em ondas high performance, a previsibilidade do surfe do japonês por vezes é maquiada em virtude de todo esforço técnico que ele habitualmente imprime em seus confrontos, porém, para vencer Filipe, no ritmo que ele imprimiu nos dois últimos dias de competição, era necessário mais que transpiração técnica e vontade, era necessário transpiração técnica, muita vontade e sobre tudo, ter o mesmo nível do talento de Filipe. Com todo respeito ao esforçado Kanoa, esse nível, ele não tem! Filipe avançou para a final, Kanoa chegou onde podia chegar.
Entre as meninas aconteceu um confronto de gerações, a sempre candidata a título Lakey Peterson, que não vencia uma etapa desde o Surf Ranch em 2019, enfim conseguiu voltar ao ponto mais alto do pódio, Lakey venceu na final, em um confronto apertado, a novíssima Molly Picklum, Molly havia abatido 13 títulos mundiais em suas baterias anteriores, 8 de Stephanie Gilmore e 5 de Carissa Moore, com a final de hoje, Picklum se garantiu no WSL Finals, entre as meninas, existe apenas uma vaga para ser definida, neste momento quem ocupa essa vaga é Caitlin Simmers, vencedora de duas etapas esse ano, Portugal e Brasil, porém, em J-Bay, Simmers perdeu no Elimination Round para a virtual campeã da etapa, Lakey Peterson, agora, Lakey está na sexta posição, na cola de Simmers, na porta de entrada do Finals, além de Simmers, Lakey, Steph e Tati Weston também têm chances de chegar ao Finals, vamos ver quem Teahupoo vai eleger, essa briga será interessante.
O escritor modernista português Fernando Pessoa, em sua obra com Bernardo Soares, conhecida como Livro do Desassossego, diz: ”adoramos a perfeição, porque não a podemos ter, repugna-la, íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito”, não sei se o mais universal poeta português, aquele que nasceu em terras lusitanas, foi educado em Durban, na África do Sul, concordaria com sua afirmação de 1934 se tivesse visto Filipe surfando hoje. Filipe que já havia feito ali mesmo em J-Bay, em 2017, a onda mais progressiva já surfada naquela bancada, com dois aéreos estratosféricos, que valeria 20 pontos se 20 pontos fossem possíveis, hoje, na bateria final, Filipe fez a onda mais bem trabalhada de toda a etapa, apesar de receber um debochado 9.93, em virtude de excesso de preciosismo de dois juízes, não faltou absolutamente nada para aquela onda ser perfeita. Ao entrar na onda a leitura de Filipe foi perfeita, ele percebeu que ela correria muito, então, ele adiantou em altíssima velocidade para conseguir chegar no ponto crítico da primeira manobra, uma rasgada fenomenal, onde Filipe cravou a borda desde o lip até a base da onda, colocando uma amplitude abissal na manobra, algo absurdamente técnico, mas que em virtude da velocidade que Filipe imprimiu, pareceu ser fácil, passando desapercebido pela a maioria das pessoas, na base, Filipe já emendou com uma transição limpa para uma rabetada, na sequencia uma batida, depois uma rasgada trazendo tudo pra dentro, para finalizar, o fez um ataque de borda ao lip, mostrando uma técnica sutil e engenhosa. Sinceramente, não sei o que fez o juiz americano e o espanhol darem 9.7 e 9.8 respectivamente, talvez eles tenham lido demais Fernando Pessoa e levado muito a sério a frase “o humano é imperfeito”, é possível que hoje, quase cem anos depois, se Pessoa tivesse visto Filipe surfar em Jeffreys Bay, ao sul de Durban, onde ele foi educado, ele reformularia essa frase, contudo, é fato, Filipe foi perfeito em seu surfar e desumano com o Ethan.
Antes desse imperfeito 9.93, Filipe já havia marcado 8.83, scores que lhe asseguraram 18.76 pontos na bateria final, o maior somatório do evento, que lhe garantiu sua 3ª vitória em Jeffreys Bay, a 3ª vitória do ano, e a 15ª vitória no tour, número de vitórias que lhe deixa atrás apenas de Gabriel Medina, com 17.
J-Bay acabou e Filipe conseguiu uma gordura que apenas Ethan e Griffin são capazes de alcançar, contudo, para isso, eles teriam que vencer em Teahupoo e Filipe perder de cara, se tem uma onda onde é possível que Filipe perca no Elimination Round, essa onda é Teahupoo, mas acreditar que Ethan e Griffin vençam, com tuberiders na extirpe de Gabriel, John John, Jack Robinson e até o tio Kelly competindo, beira excesso de otimismo, e quem precisa contar com otimismo neste momento são os australianos e os americanos, não nós, isso posto, penso que Filipe chegará em Trestles com a lycra amarela, e derrubar o melhor surfista do planeta em ondas high performance duas vezes no mesmo dia, não será tarefa fácil para ninguém. Filipe Toledo está com as duas mãos no troféu de campeão mundial, basta agora ele ter força para levanta-lo.
Próxima parada é para mim a melhor etapa para assistir, Teahupoo em sua essência é pânico e terror para muitos e um divertido paraíso para poucos, a onda simplesmente surge a poucos metros do surfista, ela exige total atenção e máxima concentração, entender a onda, encaixar a remada e dropar a rainha do pacifico requer conexão total entre o surfista e o oceano, poucos conseguem essa sintonia fina, e isso fica muito claro nas transmissões, sorrisos e tensões ficam explícitos, vencer em Teahupoo é um campeonato à parte, no tour de hoje, um privilégio para poucos, Gabriel, John John e Jack Robinson são grandes candidatos, Chumbinho e Yago também podem vencer, apesar de tudo, Kelly tem chance em Teahupoo, mas se isso acontecer não significaria nada além de mais uma vitória em sua carreira, especulações a parte, em Teahupoo o jogo muda, sorte de quem já está garantido, porque quem ainda quiser garantir uma vaga no WSL Finals, Teahupoo tem que ser resultado, não descarte.
Até lá!
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