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Foto do escritorRedação | Vision Surf |

Filipe vence Ethan e a ele mesmo, Caroline quebra 16 anos de hegemonia de Steph, Carissa e Tyler.

Por: Marcos Aurelio Chagas.

No longínquo ano de 1986 Renato Russo escrevia em sua imensa sabedoria uma canção chamada Mais Uma Vez, nela, o imortal Renato falava das derrotas da vida e da fé necessária em você mesmo para vencer seus próprios demônios, em um trecho, onde fica evidente um sentimento de esperança, ele diz: “Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei...” em outro, onde é revelado decepções e sabedoria, Renato divaga: “Tem gente enganando a gente, veja a nossa vida como está, mas eu sei que um dia a gente aprende, se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo, quem acredita sempre alcança...” Pois bem, esse me parece o roteiro dos titulos de Felipe. Despois de longas crises de autoconfiança e depressão, como ficou público no belíssimo documentário Make Or Break, produzido pela WSL, ao encontrar sua força interna e confiar em si mesmo, Filipe Toledo enfim, alcançou seu objetivo de vida, sua perseverança foi tão importante, que depois de ver Gabriel, Adriano e Ítalo serem campeões antes dele, ele conseguiu virar o jogo e ser o único brasileiro bicampeão mundial na sequência, só Mark Richards, Tom Carroll, Tom Curren, Andy Irons e John John Florence foram campeões back to back, agora, o poderoso Filipe também.

Filipe é um cara que ao chegar no circuito mundial, todos sabiam que ele seria um dos maiores, apesar de ter uma passagem discreta em seu ano de estreia, terminando na 15ª posição, tendo como melhor resultado o evento da França. Naquele evento Filipe venceu com placares sólidos nomes como, Adriano de Souza, Alejo Muniz, Jeremy Flores, Jordy Smith e Kelly Skater, perdendo para Gabriel Medina nas semifinais, todos sabiam que o momento de Filipe chegaria, mas a verdade e que ele demorou um pouco até vencer, sua primeira vitória só chegou em 2015, na Gold Coast, enfim, depois da primeira vitória parecia que o título estava perto, mas ele também demorou a chegar, falaremos disso mais adiante.

Caroline Marks - Foto: Cait Miers

Quando as meninas entraram na água ficou claro que Caitlin Simmers é um fenômeno, ela venceu com propriedade a perigosa Molly Picklum, mas, ao encontrar Caroline Marks, a mais jovem surfista do tour se deparou com força, agressividade, técnica e confiança, o back side apurado de Caroline colocava ela quase de frente para as ondas em suas cavadas, o que resultava em verticalidade e precisão nos ataques, de acordo com Joe Turpel, Luke Egan, técnico de Caroline, encorajou a garota a fazer o maximo de curvas em seus treinamentos, até cair, para que ela entendesse até onde poderia ir em seus ataques, com essa técnica, o approach de Caroline foi suficiente para apagar toda a genialidade da novíssima Caitlin, que acabou perdendo a bateria, mas mesmo com sua derrota, o surf ganhou.

Ao enfrentar a bicampeã mundial Tyler Wright, Caroline Marks foi ainda mais agressiva e muito mais objetiva, sobretudo, Caroline foi também, ainda mais segura. A indomável Caroline venceu Tayler marcando 9.07 (maior nota do evento) e 8.33, colocando a veterana bicampeã mundial em uma combinação impossível de sair, Caroline avançou para a final justificando seu apelido de “Caroline Marks Occhilupo”, ela nocauteou Tyler no surf e no psicológico.

Na matéria anterior sobre o WSL Finals, eu disse aqui que gostaria muito de ver Caroline Marks campeã mundial, primeiro porque ela era a única goofy entre homens e mulheres, segundo porque estava na hora da hegemonia de Stephanie Gilmore, Carissa Moore e Tyler Wright, que durava desde 2007, enfim acabar, e terceiro por causa de seu back side potente. Hoje, o que vimos foi exatamente isso, quando Caroline Marks chegou no tour em 2018, com apenas 16 anos, era claro que estava no caminho dela um título mundial, a garota tinha seguramente o surf mais solido para desbancar as “big three”, no ano seguinte, em 2019, Caroline foi vice campeã, depois a pandemia chegou, a terra parou, e quando voltou, Caroline se machucou, então, nomes como Molly Picklum, Gabriela Brian, Brisa Henessy, Isabella Nichols e Caitlin Simmers ganharam notoriedade, Caroline ficou para trás e até um pouco esquecida, terminando o ano passado na 11ª posição do ranking, porém, como não existe vivencias que já não tenham sido escritas em uma canção, em Sweet Caroline de 1969, Neil Diamond disse: “Era primavera, a primavera tornou-se verão, e quem teria acreditado que você viria” – “Doce Caroline, os bons tempos nunca pareceram tão bons, eu estava propenso a acreditar que eles nunca viriam...” não, Neil Diamond não era vidente, ele escreveu essa canção para sua amada Marcia Murphey , com quem se casou, mas como o nome de Marcia não se encaixava na melodia da música, ele substituiu por Caroline, sim, Sweet Caroline é uma canção que fala de amor, mas esses trechos poderiam traduzir perfeitamente a trajetória poética do título de Caroline Marks, campeã mundial de surf em 2023. Parabéns Sweet Caroline Marks Occhilipo, por desbancar Carissa Moore e 16 anos de domínio das “big three”.

João Chianca - Foto: Thiago Diz

Nas disputas masculinas Chumbinho foi superior a Jack Robinson em todos os sentidos, o brasileiro aplicou carvins mais alongados, laybacks mais agressivos e batidas com maior pressão, apesar de muito jovem, Chumbinho competiu como um veterano, para fazer sua backup wave, Chianca foi na mesma onda de Jack Robinson, que naquele momento tinha prioridade, o brasileiro esperou Jack se levantar e escolher o lado que iria, Robbo foi para a direita e Chumbinho foi para a esquerda, a esquerda estava mais encaixada, possibilitando manobras mais verticais e definidas, com essa onda Chumbinho terminou de atropelar Robbo, que nem viu a placa da carreta.

Ao encarar Ethan, João Chianca não conseguiu desenvolver o mesmo surf da bateria anterior, mas ainda que conseguisse, não seria o suficiente para abater a paradoxal combinação de agressividade e elegância que o surf de Ethan Ewing produz, Ethan parecia surfar em outra esfera, volto a repetir, a força do surf de Ethan está onde os olhos distraídos não alcançam, borda sempre cravada na agua, rabeta onde deveria estar o bico, quilhas sempre amostra e ataques milimetricamente precisos, pressão, exatidão, controle na inversão, links perfeitos entre as manobras, aproveitamento precioso de espaço, tudo no surfe de Ethan beira a perfeição. Ainda que Ethan não tenha o recurso dos aéreos, ele desbancou incontestavelmente Chumbinho e o local hero Griffin Colapinto, que pareceu ter entrado na agua assustado com a apresentação anterior de Ethan, ou talvez, assustado com barco pirata posicionado no lineup com uma faixa imensa que dizia: “Griff campeão mundial'. Neste confronto Griffin sabia que o único recurso que poderia lhe colocar em vantagem contra Ethan seria o uso dos aéreos, o local tentou um para a esquerda e um para a direita, errando os dois, de longe, a impressão que tive foi que Griffin buscava apenas o show, ele entrou nas duas vezes sem o comprometimento necessário para completar as manobras, isso foi notório para mim, sem conseguir completar nenhum aéreo, Griffin sucumbiu frente a superioridade de Ethan. A praia se silenciou, Griffin perdeu, Ethan avançou.

Ethan Ewing - Foto: Pat Nolan

Enquanto Ethan destruía Chumbinho e Griffin, com um surf que é o sonho de qualquer tradicionalista, Chris Cote dizia: “É um milagre que este homem esteja competindo”, isso porque Ethan fraturou as vértebras L3 e L4, treinando em Teahupoo, parecia que o sonho do aussie de brigar pelo título de campeão mundial em 2023 havia escapado de suas mãos, mas claramente a dor e a dúvida não foram suficientes para vencerem o surf e o psicológico de Ethan, que parecia realmente não querer nada menos do que o título mundial.

Ethan vinha em um ritmo frenético, preocupando a todos, o nível que ele imprimiu em toda a competição foi a maior moeda de valorização do título de Filipe, que por sua vez surfava de forma rigorosamente selvagem. Toledo usou todo o seu habitual arsenal de manobras bizarras que parecem fáceis, tão letais quanto uma faca afiada, tão paralisantes quanto o medo, para vencer Ewing, não facilmente, mas incontestavelmente.

Filipe Toledo - Foto: Pat Nolan

Desde sua primeira vitória em 2015 até seu primeiro título mundial em 2022 passaram-se sete anos, Filipe venceu muitos eventos, fez apresentações jamais vistas, como em J-Bay 2017, esteve na briga pelo título mundial muitas vezes, mas perdia a confiança e o rendimento nas últimas etapas, principalmente em Teahupoo e Pipeline, por isso Filipe encarou críticas, questionamentos, por muitas vezes foi comparado a nomes como Rob Machado e Taj Burrow, gênios do esporte, mas que nunca conseguiram um título mundial para chamar de seu. Filipe enfrentou um longo período de estigmas, que sugavam sua confiança, mas 2022 chegou e ele venceu o título mundial da maneira que todos os surfistas do tour gostariam de vencer no atual formato, conquistando a maioria dos pontos da temporada, para depois vencer o WSL Finals.

Com o DNA do surf cravado em sua genética, quando se fala de Trestles, o surf de Filipe é diferente de qualquer outro surfista do tour, provavelmente não há outra onda no mundo mais adequada para um surfista, do que Trestles para Toledo, neste cenário de encaixe perfeito, Filipe conquistou seu bicampeonato mundial construindo um legado único, em três anos de Final Five em Trestles, Filipe foi o único atleta a vencer duas vezes, com uma aura de invencibilidade, Toledo deu a volta por cima se colocando no grupo dos bicampeões mundiais, seu nome agora está ao lado de Tom Carroll, Damien Hardman e John John Florence, diga-me com quem andas, que digo quem tu és!

Com a vitória de ontem Filipe se tornou oficialmente o segundo maior surfista de sua geração, ele é tão bicampeão quanto John John Florence, contudo, tem quase o dobro de vitorias do havaiano, enquanto John John tem 8 vitorias na carreira, Filipe soma 15, atrás apenas do tricampeão mundial Gabriel Medina, que tem 17 vitorias no CT.

Não há nada que demonstre tão bem a grandeza e a potência do tamanho humano, nem a superioridade e a nobreza do homem, como o fato de ele poder se conhecer, se compreender por completo e sentir fortemente as suas capacidades, Filipe vem construindo essa compreensão e se tornando tão grande surfista, quanto o grande homem que é, Parabéns Filipe Toledo, bicampeão mundial de surf.

O ano competitivo terminou com Carissa Moore lamentando a perda do título pela segunda vez seguida e Caroline Marks quebrando 16 anos de hegemonia, enquanto o bicampeão Filipe Toledo solidifica sua carreira, escreve seu nome entre os maiores de todos os tempos, vence a Ethan e a ele mesmo, mostrando a todos que a era do domínio brasileiro não dá sinais de que esteja desacelerando, agora são sete títulos em nove anos, três deles em Trestles.

E necessário dizer, por mais divertido que Trestles tenha sido para nós brasileiros, espero que o ano que vem estejamos em outro lugar no WSL Finals, sendo o formato mantido ou não.

Parabéns Caroline Marks, Parabéns Filipe Toledo, campeões mundiais de 2023.







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