Por: Marcos Aurélio Chagas.
A etapa de Saquarema foi a nona e penúltima etapa do ano, em apenas seis meses a WSL praticamente liquidou o circuito de 2024, agora, a reestreia da saudosa Fiji será a ultima etapa antes da enfadonha Trestles. Cada vez que lembro que o título mundial será definido pela quarta vez seguida naquela onda ridícula, chego à conclusão que as piores decisões da WSL geralmente são tomadas embasadas no poder de seus melhores erros.
Saquarema foi Saquarema, muita gente na praia, muita vibração, muitos patrocinadores, muita estrutura na areia e mais um ano com aquela passarela desnecessária, digna do São Paulo Fashion Week. No mar, na maioria do tempo vimos boas ondas, em outros momentos, ondas medíocres com muita correnteza e movimentação de água, coincidentemente as baterias de Gabriel Medina contra Cole Houshmand e Griffin Colapinto, aconteceram nos piores momentos do mar em seus respectivos dias, fato que deixa as disputas sempre mais suscetíveis ao fator sorte, não estou querendo justificar a derrota de Gabriel, até porque, dentre as piores ondas, Griffin foi sagaz o suficiente para escolher as menos piores, não podemos negar, ele venceu.
Na bateria seguinte, a oscilação nas condições fez com que Itaúna apresentasse toda sua beleza, Yago, que mantinha o sonho de vencer pela segunda vez em Saquarema, entrou simplesmente decidido a destronar a fase vencedora de John John, devolvendo ao havaiano a derrota na final de El Salvador, para isso, o brasileiro encontrou uma esquerda com boa parede, Yago enfileirou uma sequência de cinco ou seis rasgadas com links limpos, grandes variações, refino, elegância e a plasticidade indefectível de seu surfe, resultando em um justo 9.17, a maior nota da competição até o momento, Yago avançou, John John parou. Ao avançar para as semifinais, estando do outro lado da chave, Yago nos dava a possibilidade de vermos uma final brasileira, já que Ítalo havia avançado também.
As semifinais começaram, ítalo apresentava uma sensação de liberdade tão grande quanto a de um pássaro no céu, ele abriu a bateria com uma direita onde acelerou, acelerou e acelerou, para voar perfeitamente em torno de si mesmo, realizando uma rotação completa, pousando como um pássaro treinado para alcançar a perfeição. Como bom nordestino, assim como Ítalo, me veio à cabeça na hora a histórica Asa Branca, do rei do baião e da porra toda, Luiz Gonzaga. Gozagão dizia: “Inté mesmo a Asa Branca, bateu asas do sertão, entonce eu disse, adeus Rosinha... Guarda contigo, meu coração”. Obviamente, a Rosinha no lineup de Itaúna atendia pelo nome de Griffin Colapinto, que havia derrotado Medina no round anterior. O americano apesar de tentar jogar o mesmo jogo de Ítalo, não conseguia se manter no nível do Brabo, certamente ele não conhece o poder motivacional da voz de Gonzagão. Nove anos depois de sua estreia no tour, com um título mundial e um título olímpico, Ítalo chegava pela primeira vez na final de uma etapa no Brasil, restava a ele aguardar Jordy Smith, aquele que tempos atrás disse que não pagaria Ítalo para surfar, ou Yago Dora, o defensor do titulo de Saquarema, alguém que te paralisa apenas pela elegância sutil de colocar seus pés em uma prancha.
Jordy Smith, o mais antigo surfista do tour neste momento, há tempos não é mais o mesmo Jordy que foi vice-campeão mundial, ao menos no surfe, já que a língua continua tão afiada quanto em outras épocas, surpreendentemente, o sul-africano entrou na semifinal seguinte contra Yago Dora apresentando um surfe bastante competitivo, Jordy manobrou bem de back, variando as abordagens entre base e lip com potência e uma leve progressividade, alcançando aquela que até aquele momento seria a maior nota do confronto, 8.40. Yago parecia um maestro, mais preocupado em ajustar a orquestra para a apresentação principal, afinando cada movimento de suas bordas para manter a disputa sempre sobre controle, quando, no minuto final da bateria, enfim o brasileiro resolveu colocar em pratica tudo que ele ensaiou por todo o confronto. Surfando para a esquerda, com uma rasgada cravando toda a extensão de sua borda na agua, invertendo completamente a direção de seu equipamento, trocando de borda suavemente para linkar em um só movimento a finalização com uma porrada na junção empurrando bastante o pé de trás, desenhando com beleza e agressividade uma curta onda, Yago superou de longe a longa onda de Jordy, foi a execução de uma sinfonia quase perfeita, por essa apresentação Yago recebeu 9.33, a maior nota do evento, superando o 9.17 dele mesmo, conseguido no round anterior. Ao sul-africano restou apenas a dignidade de não reclamar da derrota. Ao avançar para a final, o campeão da etapa em 2023, se colocava pelo segundo ano na consecutivo na disputa pelo título, além de garantir a segunda final entre brasileiros em Itaúna.
A Final feminina foi uma bateria onde o fenômeno Caitlin Simmers praticamente surfou sozinha, destruindo sua conterrânea Sawyer Lindblad, que parecia um pouco perdida no lineup de um beach break, nesta bateria, em momento nenhum aconteceu uma disputa, foi simplesmente uma apresentação de gala da tímida Caitlin Simmers, que venceu em saquarema back to back. A nós resta apenas dá os parabéns para um fenômeno que provavelmente vai destruir todas as suas adversarias pelos próximos 10 anos. Congrats Caitlin.
A final masculina começou pouco empolgante, parece que Netuno estava chateado pelo fato de não ver John John no lineup, reduzindo a potência da máquina. Yago e Ítalo entraram no mar dispostos a defenderem seus interesses tão ocultos quanto a claridade do dia, a Yago cabia mimeografar a vitória do ano passado, a Ítalo, cabia imprimir o sonho de sua primeira vitória no Brasil, à torcida, cabia simplesmente decidir por quem gritariam mais. A final em Saquarema se tornou um cenário onde todos pareciam ganhar, mas a falta de ondas forçou os surfistas a recorrerem aos aéreos desde o primeiro momento, Ítalo e Yago começaram voando como a Asa Branca que bateu asas do sertão, mas não conseguiram manter o mesmo nível de assertividade, em inúmeras tentativas, Ítalo conseguiu sucesso em apenas uma esquerda com dois aéreos baixos, conseguindo 7.00 pontos, a melhor nota da bateria, enquanto isso, Yago naufragava na tentativa de voar, as decolagens foram muitas, os pousos foram poucos. Em um determinado momento, Yago percebeu que Ítalo não conseguia ampliar suas notas, isso fez ele mudar a estratégia e ir para o surfe de borda, mas já era tarde demais, o defensor do título não conseguiu encontrar ondas que fossem suficientes para superar o baixo placar de 13.67 que Ítalo já havia construído. Nove anos após sua estreia na elite do surfe mundial, o Brabo vencia em casa pela primeira vez, derrotando o defensor do título.
Dentro d’água a final não foi nem de longe um dos melhores momentos da competição, mas nas areias de Itaúna, acontecia um momento único, uma verdadeira apoteose se formou quando o Brabo chegou na praia, nesse momento Yago estava saindo do mar e os dois se abraçaram envoltos à multidão, certamente a imagem de celebração mais bonita que vi no tour entre dois brasileiros desde o longínquo 2015, quando Gabriel Medina entregou o troféu de campeão mundial nas mãos de Adriano de Souza. Infelizmente em Saquarema, esse momento de celebração não foi capturado em fotos.
Com a vitória em Saquarema Ítalo assumiu a quarta posição no ranking, Yago que passou pelo corte na 22ª posição, deixando uma fatia de bife na navalha da faca, agora ocupa a 6ª posição no ranking, John John disparou na liderança abrindo mais de 10 mil pontos de vantagem para Griffin, o segundo colocado. Se o campeonato fosse decidido em pontos corridos, como foi por 45 anos, John Jhon conquistaria seu tricampeonato antecipadamente, contudo, em nome de uma suposta audiência, o ano indefectível do havaiano será completamente ignorado e ele terá que provar ao mundo que pode ser campeão na entediante Trestles, coisas da WSL, uma entidade que parece não reconhecer seus erros, muito menos aprender com eles. Talvez eu esteja sendo um pouco rabugento, talvez não, mas a verdade é que, sempre que o tour se aproxima de Trestles eu fico assim, me repetindo em virtude de minha inconformidade de ver aquela onda decidindo um título mundial, mas como diria um imortal, “Sei que às vezes uso palavras repetidas, mas quais são as palavras que nunca são ditas? ”.
Como não quero sofrer por antecipação, antes de Trestles tem Fiji, onde John John pode abrir ainda mais sua vantagem, e Gabriel, que já fez três finais por lá, vencendo duas delas, pode se colocar entre os cinco surfistas para o famigerado Final Five, que vai acontecer pelo quarto ano consecutivo em Trestles. O quarto título seguido decidido em Trestles é o histórico de uma declaração inabalável de descompromisso com o esporte.
Até Fiji.
Comments