Por: Marcos Aurélio Chagas
Demorei demais para assimilar toda essa tragédia com o Mad Dog Márcio Freire, na verdade, nem sei ainda se assimilei, por isso, escrever sobre essa fatalidade requer cuidado, respeito e sobre tudo empatia.
Existe uma máxima em nossas mentes a respeito da morte de Marcio, um pensamento que todos nós procuramos sustentar em nosso íntimo, um pensamento que hipoteticamente diminui a dor daqueles que tiveram a oportunidade de conhece-lo, soa em nossas mentes: “Marcio fez a passagem fazendo o que amava” – Sim é fato, mas o coração nem sempre consegue absorver essa mensagem, por isso, é impossível deixar de reproduzir um trecho de “Love in the Afternoon”, de Renato Russo, que descreve com mais verdade o meu sentimento neste momento: “É tão estranho, os bons morrem antes”.
Apaixonado por ondas grandes desde a juventude, em 1998, aos 23 anos, Márcio desembarcou em Maui, no Havaí, lá, ele construiu um caminho de coragem, ousadia e perseverança, domou o medo e o risco por muitas vezes, para, ao lado de Danilo e Yuri, solidificar uma história vencedora que inspirou havaianos, americanos, brasileiros, europeus, australianos, polinésios, asiáticos e outras etnias ou nacionalidades onde exista a cultura do surfe, o mundo do “Big Surf” conheceu os MAD DOGS.
MAD DOGS, em tradução livre “Cachorros Loucos”, foi o apelido que esse trio de baianos de muita atitude recebeu dos havaianos. Eles revolucionaram o surfe de ondas gigantes, levando ao extremo o limite do surfe de remada, enquanto os havaianos surfavam sua onda mais temida com coletes infláveis, capacetes e apoio de jet-ski para empurra-los nas ondas, Márcio, Danilo e Yuri surfavam em Jaws, nos maiores dias, sem o auxílio de nenhum equipamento de segurança, entrando nas ondas remando, com isso se repetindo dia a dia, temporada a temporada, eles mudaram a percepção de limite de remada em virtude do tamanho das ondas, e assim, junto com os outros MAD DOGS, ao desafiar no braço as maiores linhas d´água do planeta, Márcio alcançou o incontestável status de Lenda do Surfe, isso fica ainda mais claro quando outras lendas como Ross Clarke-Jones e Tom Carroll dão depoimentos assombrados com nível que os MAD DOGS elevaram o Big Surf.
Há milhares de quilômetros de distância da onda que o consagrou, Marcio estava amarradão, ele surfava pela primeira vez a mais temida e perigosa onda do atlântico, Nazaré. O big rider “mizeravão”, já tinha domado a fera, na manhã do trágico dia 05/01, ele tinha pego duas bombas, como de costume, na remada. Seu acidente ocorreu à tarde, pegando todos de surpresa, em um mar que para os padrões de Nazaré, não estava tão grande. Ao longo dos anos vimos alguns surfistas perderem suas vidas dentro do mar, contudo, dropando as bombas, apenas Mark Foo, que ao fazer uma sessão com Brock Little e Ken Bradshaw em Mavericks, perdeu a vida ao cair na base de uma onda que o Bradshaw tinha desistido de ir, em uma manhã de sol, numa sexta-feira de dezembro de 1994, agora, Márcio Freire nos deixa em uma tarde ensolarada em Nazaré, depois de um drop suave, ao chegar na base da onda, ele foi engolido por uma avalanche gigantesca de espuma, vivendo o risco de morrer pelo que se ama fazer, como diria Jacaré, homens do mar, morrem no mar.
Conhecia Márcio pouco, não era alguém intimo dele, tivemos juntos pouquíssimas vezes, mas a simplicidade, a humildade, a ausência de ego, o perceptível desapego e desapreço à vaidade, eram traços de uma personalidade tranquila, que se impunham diante de nós quando ele dizia um simples “olá”.
A Partida de Márcio deixa uma dor imensa em nosso peito, ele acabou indo embora cedo demais, sua morte foi a primeira de um surfista em Nazaré, a tristeza dessa tragédia abalou o mundo do surfe, certamente o “Big Surf” está ainda mais perplexo, surpreso e triste, Marcio era uma referência, um superstar, uma “entidade” das ondas grandes, perde-lo tão precocemente é uma mensagem que vamos demorar para aceitar. Contudo, é preciso entender que: Quando pessoas como Marcio morrem, morre apenas o corpo! Legados como: Exemplo, coragem, inspiração, atitude, amor ao surfe e humildade, jamais deixarão de existir, porque legados fazem lendas e lendas, não morrem!
Obrigado por tudo Mad Dog, luz e paz no seu caminho celestial, sua passagem por aqui foi rápida, mas seu legado é imortal.
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