Em 1976 nascia o circuito mundial de surfe profissional, o australiano Peter Townend foi o primeiro campeão. Aqui no Brasil, neste mesmo ano um visionário afirmava que “havia nascido há dez mil anos atrás”, não satisfeito ele ainda disse, “E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais”, se houvesse redes sociais naquela época ele certamente viraria meme ou seria alvo de agressões virtuais, más, em um mundo sem redes sociais, do alto de sua sabedoria de mais de dez mil anos, no ano seguinte, em 1977, esse mesmo visionário disse: “E foi assim... no dia em que todas as pessoas do planeta inteiro resolveram que ninguém ia sair de casa, como se fosse combinado, naquele dia ninguém saiu de casa, ninguém... O dia que a terra parou...”, e eis que 43 anos depois, o imortal visionário carinhosamente apelidado de Maluco Beleza teve sua previsão catastrófica confirmada, a Terra parou, não por um dia, essa afirmação é apenas parte de um romantismo minimalista que todo poeta recorre ao declamar suas visões agoniantes, e sim por um ano. Raulzito sabia, más ele não era exibido como Nostradamus, o poeta não quis nos alarmar.
Bem, parafraseando o poeta, assim como a “dona de casa que não saiu pra comprar pão”, os surfistas profissionais também não saíram para trabalhar, a WSL cancelou todo o calendário do surfe mundial à partir de maio de 2020, para nós, em uma atitude muito acertada. Seis meses depois do cancelamento e um ano após a última etapa do WCT, foi anunciado há alguns dias o retorno das competições do surfe mundial, o surfe vai voltar do ponto de onde parou, Pipeline.
Em um ano que aparentemente será de experiências, a WSL vai colocar em pratica um de seus mais antigos desejos, em busca de maior audiência e emoção na disputa pelo título entra em cena o “WSL Finals”, um formato novo para decidir o título, onde os cinco primeiros colocados das categorias masculina e feminina disputam o título em um único dia, a onda da decisão como todos já sabem será Trestles, uma onda linda, uma onda dos sonhos para nós meros surfistas, más uma onda que não oferece nenhum grau de dificuldade para nenhum surfista da elite, ou melhor, para nenhum surfista.
Além disso, volta ao tour ondas que já fizeram parte do calendário da elite, Sunset, Steamer Lane e G-Land, é necessário dizer que essas ondas enriquecem a disputa, com isso ganha o tour, ganhamos nós, amantes do surfe.
E para entendermos melhor o jogo do surfe pós Covid, convidamos dois pioneiros no circuito mundial e profundos conhecedores dos meandros competitivos, eles não nasceram há dez mil anos atrás, más sabem demais sobre surfe, eles são parte importante da geração que profissionalizou o surfe no Brasil lá nos meados dos saudosos anos 80, além disso, o exemplo deles foi fundamental para a decisão de jovens surfistas brasileiros abandonarem o conforto de suas casas e se jogarem no mundo com o sonho de correr o tour, Teco Padaratz e Piu Pereira falaram para a Vision sobre o retorno das competições, suas ondas preferidas e seus surfistas prediletos para Pipeline. Vejam as opiniões das lendas:
PERGUNTA: Como você vê o formato do tour, com o campeão sendo definido em um dia, o “The WSL Finals”?
TECO: O novo formato da WSL é quase perfeito, o período separado dos eventos do QS ficou excelente, agora não há mais dúvidas nem contas a fazer, quem não entrar corre o QS. Porém, a etapa final realmente não me agradou, sobretudo o formato. Se tivermos um atleta que vencer mais que 50% das etapas e ele perder a grande final, a WSL será muito criticada por isso, talvez uma manobra bem comercial, mas muito arriscada!
PIU: Acho mais justo no formato antigo, mas é uma ideia para poder vender melhor o produto, acho boa, vamos ver como vai funcionar na prática.
PERGUNTA: Você acha Trestles é uma onda que ofereça alguma dificuldade para os melhores do mundo?
TECO: Quase nada de dificuldade, mas uma pista perfeita de onda, parece um brinquedo!
PIU: A onda de Trestles é a mais performance que existe para soltar as manobras. Apenas especialistas em tubo vão ficar em desvantagem, mas para ser campeão não pode depender apenas de tubo
PERGUNTA: Existe algum nome da nova geração (de qualquer nacionalidade), que te impressione?
TECO: O nome que mais tem me impressionado é o pequeno Dorian, Filho do Shane Dorian, esse garoto é um fenômeno, e ainda vai mostrar que é muito melhor que os melhores dos tempos!
PIU: Gosto muito do Matheus Herdy pela explosão nas manobras, e Samuel Pupo pela linha e versatilidade.
PERGUNTA: Você enxerga algum gringo em condições de título mundial além de John John Florence?
TECO: o Jordy ainda pode dar um tiro para a vitória, apesar de ser improvável, mas a briga será entre John John e alguém, ele está fora muito tempo e mordendo o osso pra voltar a disputar o título, e ainda está acima da média do Tour, junto com Medina, Ítalo e Filipe!
PIU: Talvez Jordy ou Julian.
PERGUNTA: Sunset é uma onda de extrema dificuldade, uma das poucas que Kelly nunca venceu, você consegue enxergar um nome que o surfe se adapte melhor a aquela onda?
TECO: John John é favorito nesta onda, mas vários nomes sempre surpreendem em Sunset, nomes que não damos importância as vezes!
PIU: Kelly também não venceu Santa Cruz. Sunset é uma onda desafiadora e de difícil leitura, vai depender bastante de como estiver o swell. Destacaria Carmichael, Jack Robinson, Adriano, Seth Moniz e Frederico Morais.
PERGUNTA: Fabinho, Teco, Tatuí, Neco, Vitinho e Gabriel, já venceram na França, Ítalo e Jadson já foram vices, a ausência dessa etapa pode comprometer a performance dos brasileiros no xadrez para definir os cinco que irão para o “WSL Finals”?
TECO: Não mais. Hoje em dia esses nomes vencem em qualquer lugar, mas com certeza a etapa fará falta.
PIU: Não acredito que França fará falta para o desempenho dos brasileiros.
PERGUNTA: Teco, Ítalo, Frederico Morais, foram alguns rookies que fizeram final, você enxerga nos atuais rookies condição de repetir esse feito?
TECO: Acho que sim, sempre tem a etapa que o segundo pelotão brilha, e com certeza temos vários nomes ali pra preencher esse lugar mais alto do pódio.
PIU: Acredito apenas em Jack Robinson em condições tubulares.
PERGUNTA: Gabriel, Ítalo, Owen, Yago, Caroline Marks, Tatiana Weston-Webb, não vimos um momento goofy tão bom desde Carroll e Hardman, contudo as ondas manobráveis são maioria direitas, existe alguma esquerda você gostaria de ver no tour?
TECO: A onda que sempre quis ver no Tour é Gradjagang
PIU: Gostaria ver Fiji de volta.
PERGUNTA: Qual é sua onda predileta no tour de 2021?
TECO: G-Land
PIU: G-Land
PERGUNTA: Quais são seus três surfistas prediletos para Pipeline?
TECO: Gabriel, John John e Ítalo
PIU: Gabriel, John John e Kelly
PERGUNTA: Com 13 etapas em 9 meses, qual o conselho você daria para um atleta alcançar seu melhor nível?
TECO: Durante uma agenda tão corrida assim, o segredo estar em conseguir focar mais na sua própria evolução, percebendo os defeitos que pintarem, e resolvendo-os rapidamente, pois não dá muito tempo de se preparar entre as etapas, é importante que o surfista esteja em 100% da capacidade física, em uma maratona é assim, é bom também não se machucar no processo!
PIU: Fazer uma boa preparação e principalmente boa adaptação as ondas que ainda não dominam.
Com essas sabias palavras de dois pioneiros, esperamos que em 2021 o tour seja o mais competitivo possível e tenhamos momentos de pura magia como nos acostumamos nos últimos anos, o Brasil é a maior potência do surfe mundial da atualidade, só chegamos no topo dessa montanha porque Fabinho, Teco e Piu construíram uma base solida, que depois foi pavimentada por muitos outros nomes, iniciando lá atrás o sonho de sermos um dos grandes do surfe mundial.
Lembrar do passado com respeito, gratidão e reconhecimento, nos faz perceber o porquê vivemos um momento tão bom no surfe mundial, e, mesmo que o modelo da decisão do título não privilegie exatamente o melhor surfista, nesse momento pouco importa, afinal nós temos três dos cinco melhores surfistas da atualidade, não precisaremos contar com a sorte para nosso quinto título em sete temporadas, façam suas apostas, um ano depois o surfe competitivo está de volta.
Por: Marcos Aurélio Chagas
Redação | Vision Surf
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