Por: Marcos Aurélio Chagas
Um dos maiores nomes do surfe mundial da última década anunciou na semana passada sua aposentadoria das competições, Owen Wright.
Owen é um daqueles caras que nasceu para o surfe, um daqueles caras que todos nós acreditávamos que seria campeão mundial, um daqueles caras australianos que, o excesso de surfe nos dava a certeza de que um dia seu título ia chegar, mas, assim como Taj e Julian, Owen está se retirando sem ter cumprido aquilo que aos olhos do mundo, era seu destino, levantar o troféu de campeão mundial.
Owen vem de uma família de surfistas, local de Culburra, em New South Wales, o simpaticíssimo “Big O” como é chamado na intimidade pelos companheiros do tour, desde cedo foi programado para vencer, seu pai, Rob, determinado a criar campeões, transformou a vida familiar em uma espécie de campo de treinamento para Owen, Mikey e Tyler. Em pouco tempo, os “ Wrights de Culburra” se tornariam a família real do surf australiano.
Owen, o mais velho, se profissionalizou em 2008 entrando para o tour em 2010, em seu ano de estreia, ele terminou com a sétima colocação no ranking, seu melhor resultado nesta temporada foi um terceiro lugar, aqui no Brasil, no Santa Catarina Pro, evento vencido por Jadson André. Junto com Jordy Smith, que nesta temporada de 2010 foi o vice campeão mundial, Owen recebia de muitos, a chancela de “futuro do surfe”.
No ano seguinte, em 2011, “Big O” fazia aquele que seria seu melhor ano, dando início, junto com um garoto brasileiro que entrava no tour no meio da temporada, àquilo que tempos depois, com a consolidação de outros resultados, seria chamado de “goofy revolution”. Em um tour completamente dominado por regulares, o goofy Owen Wright fez três finais seguidas contra Kelly Slater, Tehupoo, Nova Iorque e Trestles, vencendo o GOAT em Nova Iorque, competição que até os dias atuais, foi aquela que pagou a maior premiação da história do surfe profissional, o Quiksilver Pro New York pagou um milhão de dólares em premiação, com o campeão Owen Wright embolsando 300 mil dólares, nada mal. Além de Owen, um garoto goofy de 17 anos, brasileiro, venceu outros dois campeonatos na temporada de 2011, França e San Francisco, seu nome? Gabriel Medina!
Owen terminava o ano de 2011 com a terceira posição no ranking, o que confirmava ainda mais as expectativas de que, mais cedo ou mais tarde seu título chegaria, no meio desse ano, a ASP promoveu o acesso de jovens talentos do WQS, o local de Cullburra, viu uma geração fulminante entrar no tour, Gabriel Medina, como já dissemos acima, John John Florence e Julian Wilson, além de outros, esses nomes foram tão impactantes e chegaram com tanta sede de vitórias, que no ano seguinte, em 2012, a história foi muito diferente.
Owen e Jordy, que eram os sucessores naturais do protagonismo de Kelly, Mick, Parko e Taj, em 2012, viram John John, Gabriel e Julian terminarem o ano à frente deles no ranking. John John havia vencido a terceira etapa do ano, que aconteceu aqui no Brasil, lá no Postinho. Eu vi descalço, com o pé na areia, o havaiano surfar com a lycra amarela, (naquela época era uma lycra tão comum quanto as outras), para vencer aquele que ao final da temporada se consagraria o campeão mundial, Joel Parkinson – em um confronto da borda indefectível de Parko contra a progressividade havaiana, melhor para John John. Gabriel não venceu nenhum campeonato naquele ano, mas fez duas finais, em Fiji o brasileiro sucumbiu diante de Kelly, em Portugal, Julian levou a melhor em uma bateria com resultado bastante contestado, em seu primeiro ano completo no tour, Julian vencia seu primeiro evento na carreira. Essas finais e vitorias, colocaram John John, Gabriel e Julian na 4ª, 7ª e 9ª posição respectivamente, à frente do Owen, que acabou aquele ano com a 10ª colocação no ranking.
No ano seguinte, em 2013, Owen fez sua pior campanha, ele se machucou e acabou ficando fora de oito dos dez eventos da temporada, em 2014, como convidado, Owen viu Kelly e Mick dando tudo que podiam para colocarem seus nomes em degraus ainda mais altos na história do surfe. O quarentão Kelly, perseguia furiosamente, como alguém que se negava a desistir, o seu 12ª título mundial. Mick, queria colocar seu nome na mesma galeria onde está apenas o de Mark Richards, a galeria dos tetracampeões, mas esses não eram exatamente os grandes protagonistas do ano, Gabriel Medina, que havia vencido três etapas na temporada, uma delas considerada a melhor competição em termos de onda da história do surfe, não estava disposto a perder a chance de se tornar o primeiro campeão mundial a ter o português como língua mãe, 38 anos depois da vitória de Peter Townend. Owen terminou essa temporada como o segundo melhor goofy, com a 12ª colocação, Gabriel, o campeão mundial, dava início ali ao seu reinado para se consolidar como o maior goofy footer da história.
Em 2015, ano que Ítalo Ferreira, Wiggolly Dantas e Matt Banting chegaram a elite, ano que a ASP se transformou em WSL, Owen estava maduro o suficiente para surfar a temporada que poderia consagra-lo como campeão mundial, ele estava pronto, poderia ter sido o primeiro campeão da era WSL, o aussie fez um ano muito consistente, chegando a alcançar uma marca única que é exclusivamente dele até hoje – Owen foi o primeiro e único surfista a fazer duas baterias perfeitas no mesmo evento, então, depois de anos batendo na trave, enfim ele vencia seu segundo evento na carreira, quatro anos depois de Nova York, “Big O” vencia em Fiji, pertinho de casa, no maior mar do ano. Em Cloudbreak a superioridade de Owen estava exposta nas bancadas, num indo e vindo infinito, os 1.90 metros de altura do aussie se encaixavam perfeitamente nas cracas da Oceania, nas duas baterias de 20 pontos, suas vítimas foram seus conterrâneos Adam Melling no Round5, que mesmo tendo marcado 17.70 ainda saiu em combinação e Julian Wilson na final, que não teve se quer a chance de ver o meteoro que o atingiu. Veja aqui as quatro ondas nota 10 de Owen Wright em Fiji.
Tudo ia muito bem para Owen, mesmo ele tendo perdido de cara em Portugal para Caio Ibelli, o aussie chegou no Havaí como um dos cinco surfistas que brigavam pelo título, mas, antes mesmo da competição começar, Owen iniciou a fase mais difícil de sua vida.
Na manhã de 10 de dezembro de 2015, o surfista australiano entrou na água em Pipeline para mais um dia de treino, na véspera do início de um evento que, se tudo corresse bem, poderia torná-lo em um campeão mundial. Mas, depois de uma vaca, Owen foi atingido por uma série de ondas colossais, fato que, ainda sem saber, alteraria a trajetória de sua carreira no surfe. Após a vaca, Owen saiu do mar andando, sem ajuda de ninguém - sem sentir nada ele foi para casa, comeu algo e dormiu um pouco, ao acordar, ele se sentia mal, e, um pouco mais tarde, o world title contender estava lutando pela vida em um hospital de O'ahu, onde exames revelavam um extenso trauma cerebral.
Owen foi levado de volta para a Austrália, para dar continuidade ao tratamento, ele passou um ano lutando para se recuperar, tentando recuperar o funcionamento básico de seu corpo, talvez, eventualmente, recuperar a possibilidade de poder voltar um dia a surfar, já que competir parecia ser algo impossível. A lesão deixou Owen acamado por três semanas, em estado de paralisia, especulou-se à época que sua carreira estaria acabada.
Apesar da extensão da lesão, Owen fez uma recuperação extraordinária, da dúvida de que se em algum dia ele poderia voltar a surfar, até ele voltar efetivamente a competir, passaram-se pouquíssimos meses e muitas horas de dedicação a fisioterapias e outras terapias. Em 2017 Owen voltou em um retorno triunfal, logo em seu primeiro evento ele levantou o troféu de campeão, vencendo nomes como Gabriel Medina nas semifinais e Matt Wilkinson na grande final, nas etapas seguintes ele fez uma sequência de oitavas e quartas de final que lhe permitiram terminar o ano com a 6ª posição. Em 2018 Owen ficou mais uma vez com a 6ª posição do ranking, para em 2019 ele vencer Gabriel Medina na final de Teahuppo e vencer seu quarto evento da carreira.
Em 2020, tal qual previu um “Maluco Beleza”, através de um sonho de sonhador, como se fosse combinado, a terra parou! O mundo se recolheu e o surfe não teve competições nem campeões, Owen dedicou seu tempo a família. Em 2021, em um mundo ainda cheio de restrições, o circuito voltou com sete etapas, quatro delas no país de Owen, a Austrália. Esse foi de fato o pior ano de Owen, ele só conseguiu terminar o ano na 25ª posição, caindo pela primeira vez para o WQS, contudo, a WSL já havia lhe dado o Wildcard 2022, porém, com as mudanças aplicadas pela WSL para o circuito de 2022, Owen acabou ficando no corte, o que resultou em sua queda definitiva, já que ele não correu o Challenger para se requalificar.
Essa semana, Owen fez uma postagem em sua conta de Instagram informando que vai parar em definitivo sua carreira de surfista profissional, ele anunciou sua aposentadoria, Owen vai fazer seu gran finale em Bells Beach, a mais antiga e tradicional etapa do circuito mundial, ele recebeu o wildcard da Rip Curl, seu patrocinador de bico de toda carreira, patrocinadora também do evento, está tudo pronto para o veterano de 33 anos desfilar toda a magia de seu backside pela última vez vestindo uma lycra competitiva, uma coisa é certa, em um país onde o surfe é cultuado, onde clubes de surfe formam atletas diariamente, onde a tradição é respeitada, onde os Wrights são a realeza do surfe, nenhum olho ficará seco nas falésias de Bells, haverá muito agradecimento e admiração todas as vezes que Owen passar pelas escadas icônicas de Torquay, sobre tudo, haverá a certeza dos australianos de que eles estão vendo a história passando em sua frente, Owen, o príncipe mais velho da realeza Wright, primeiro medalhista olímpico do surfe australiano, estará passando pela última vez naquelas escadas para competir uma etapa do circuito mundial.
Owen sofre até hoje com os efeitos de longo prazo associados a lesões cerebrais, sua equipe médica lhe disse que ondas como Pipe, Teahupoo e The Box, considerando sua condição, são ameaças à sua vida. Ele justifica sua decisão de se aposentar da seguinte maneira: “Hoje compartilho a notícia de que vou me aposentar das competições do mais alto nível do surf. Meu último evento será no Rip Curl Pro Bells Beach, onde estou ansioso para comemorar minha carreira e agradecer aos meus fãs, amigos e família por todo o apoio ao longo dos anos”. Owen continua, “Dada a minha história recente com lesões na cabeça e concussões, competir em algumas das ondas mais pesadas do planeta não é mais do interesse da minha saúde a longo prazo. Destaquei-me nestas condições ao longo da minha carreira, mas os riscos associados a este tipo de surf são demasiado significativos para alguém na minha posição, dado o meu historial médico”, e conclui “A WSL e a Rip Curl me ofereceram o wildcard no Rip Curl Pro Bells Beach deste ano. Minha família, equipe médica e eu concordamos que este seria o local perfeito para eu competir pela última vez. Competir na frente de meus amigos, familiares e fãs pela última vez em Bells será incrível”.
Lembro-me de Owen quebrando em Bells 2019 em um mar gigante, na ocasião, em overllaping heat, ele fez duas baterias no mesmo dia com pontuações acima dos 16 pontos, seria muito bom revê-lo surfando nesse nível. Nos últimos 25 anos, Bells viu apenas três campeões goofys, Mark Occhilupo, Matt Wilkinson e Ítalo Ferreira, acredito que anda dê tempo de Owen entrar nessa galeria.
Apesar de não ter cumprido seu destino de campeão mundial, Owen é sem dúvida um dos maiores surfistas da história, particularmente, considero ele um surfista muito superior a três campeões mundiais de sua era, faltou para Owen a sorte aliada a dedicação de uns, e a mentalidade de outros, contudo, com a prancha nos pés, “Big O” é melhor do que alguns campeões, em todos os fundamentos do surfe, mas, o xadrez da vida, tolheu de Owen as condições necessárias para cumprir seu destino, mas, jamais sua arte.
Owen acabou de lançar um livro de memórias, intitulado “Against the Water”, descrito como “a história heroica e angustiante de como um dos melhores surfistas da Austrália superou uma lesão cerebral e se desesperou para vencer uma medalha olímpica”, os relatos dão conta de que é uma biografia excepcional, o livro leva o leitor de volta à infância de Owen, passa pelos métodos de treinamento de seu pai, que, embora excêntricos, renderam bons frutos, a história revela a complexa relação com seu pai – a adoração, a luta pela independência, as desavenças e as reconciliações. O livro fala também do amor por Kita Alexander, uma promissora cantora que parou sua carreira para cuidar de um homem adoentado que ela havia conhecido poucos meses antes, Kita é eposa e mãe dos filhos de Owen.
Against the Water é o relato comovente de um atleta que se recusou a aceitar que seus melhores dias haviam ficado para trás, o livro relata também questões fundamentais sobre família e competição, isso fica claro através do release, porém a obra ainda não está disponível no Brasil, contudo, se você estiver na Austrália e quiser o livro, clique aqui para comprar.
Owen escreveu sua história em 11 temporadas no CT, por quatro delas o aussie esteve entre os seis melhores surfistas do mundo, outras duas, entre os dez melhores, Owen fez sua melhor classificação em 2011, quando terminou na terceira posição, ele é o primeiro e único surfista com duas baterias perfeitas em uma única etapa, e, já entrou para a história como o primeiro medalhista olímpico do surfe australiano. Owen é um gigante na estatura e no surfe, um dos gringos mais próximo dos brasileiros, um dos favoritos em qualquer onda de consequência, então, por esses motivos, pela carreira Owen que construiu, pela dignidade, maturidade e surfe mostrados nas 11 temporadas, pela força espiritual e física, só nos resta dizer: Obrigado Owen Wrigth!
Até Bells.
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