Por: Marcos Aurélio Chagas
Depois de um longo período de hibernação, o Circuito Mundial de Surf, que há exatos 10 anos foi renomeado para Liga Mundial de Surf (em virtude da aquisição da ASP pela Zoosea do bilionário Dirk Ziff), que concedeu ao brasileiro Adriano de Souza o primeiro título de campeão mundial da era WSL, está de volta, e nós da Vision também, para tristeza daqueles que discutem surf baseados em leituras de manchetes.

A aposentadoria de alguns dos nomes mais icônicos nos últimos seis ou sete anos, sem que os nomes daqueles que entravam estivessem à altura dos que saiam, fez com que o tour viesse ao longo do tempo perdendo gradativamente o seu encanto, mas vamos combinar que a ausência de Gabriel Medina e John John Florence no mesmo ano, dois tricampeões, os dois caras mais dominantes da era WSL, deixa tudo ainda mais fosco, tornando o universo da WSL em uma galáxia flutuante que tenta encontrar o caminho para uma luz divina iluminar o brilho de novas estrelas. Gabriel e John John tem perfis e estilos completamente diferentes, mas com talentos equivalentes, é saudável discutir qual dos dois é o melhor surfista, mas provavelmente você nunca terá uma resposta para isso, juntos na água, sobre tudo em mares tubulares e pesados, eles podem elevar o nível a um padrão que seria difícil algum outro alcançar, como fizeram por exemplo em Teahupoo 2015 quando eles se encontraram no Round3 e Gabriel marcou 19.00 pontos com John John somando 18.84, no ano seguinte (2016), na mesma Teahupoo, eles se encontraram mais uma vez, desta vez na semifinal, aquele que vencesse encararia Kelly na final, John John anotou 19.66 (9.93+9.73), Gabriel fez 19.23 (10+9.23), John John avançou, mas ao contrário de Gabriel, o havaiano na maioria das vezes sucumbe ao encontrar Kelly, na final Kelly massacrou John John com 19.67 pontos, o havaiano entrou em uma comb que jamais saiu. Você pode encontrar o resumo dessas baterias em um especial sobre Teahupoo no EPISÓDIO 17 no canal do Youtube da Vision, que descansa na paz do senhor desde 2021.
Se eu tivesse que apontar uma pequena vantagem para um deles, eu apontaria para Gabriel, o brasileiro tem uma mentalidade competitiva muito mais aguçada que a do havaiano, frequentemente Gabriel é apontado como um dos melhores competidores da história, Gabe pode vencer em um beach break merrecado com vento, o que é difícil acreditar que o havaiano possa fazer, a mentalidade de Gabriel também lhe garante vitorias maiúsculas sobre o havaiano, no quintal de sua própria casa, como o passeio de 2019 em Pipeline, onde Gabriel impôs a John John a triste experiência de passar pela areia na frente de seu público em uma situação de combinação.
Pensando bem, acho que Gabriel é melhor, difícil mesmo é ter um consenso global no universo do surf sobre esse assunto, mas tudo bem, concordamos em discordar. Apesar da grande hegemonia que esses dois surfistas construíram desde que entraram no tour no meio da temporada de 2011, uma coisa pode ser dita, não cabe sobre eles a personificação dos rivais ferrenhos como eram Kelly e Andy, apesar de muitos veículos e por vezes até a própria WSL querer te fazer acreditar nisso, o que existe de fato é uma admiração mutua que muitas vezes eles deixam escapar. Tem um post legal sobre isso no Instagram da Vison, vale a leitura. Uma coisa é certa, sem Gabriel e John John o tour perde a maior parte de seu brilho, que já estava bastante apagado.
Vamos combinar também que a A WSL as vezes se esforça para tirar o brilho da água, uma demonstração disso são as bizarrices postas em pratica no calendário desse ano. A Etapa da piscina de Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos será a segunda do ano, logo após PIPE, se a janela de Pipeline se estender até o ultimo dia (08 de fevereiro), o espetáculo na piscina de Abu Dhabi ficará bastante comprometido, já que a etapa começa no dia 14 de fevereiro, apenas seis dias após o final de PIPE, o detalhe é que existem 14 horas de diferença no fuso de um local para o outro, tirar esse JET LAG em seis dias é realmente um desafio, mas esse não é o único desafio logístico e físico para os atletas, pior que o JET LAG de Pipe/Abu Dhabi é o de El Salvador (evento 04) para Bells (evento 05), neste caso o intervalo também é de seis dias, mas a diferença do fuso é ainda maior, serão 17 horas. A única esperança nestes casos é contar com a sorte, para que os eventos de PIPE e El Salvador não cheguem aos dias finais de suas janelas. Oremos.
Como toda noite escura é seguida da luz do dia, também cabe a WSL críticas positivas, a entidade trouxe de volta ao tour de 2025 ondas que jamais poderiam estar fora, Gold Coast e J-Bay voltam para a alegria daqueles que assim como eu são apaixonados pela boa borda e um base lip agressivo, Filipe e Ethan são os caras que mais podem se beneficiar com a volta dessas ondas.

Por falar em Filipe, o Bicampeão mundial está de volta depois de um ano sabático, é preciso ver como ele vai encarar o tour, mas se surfar 50% do que sabe, é o grande favorito para o título mundial, a depender de como Fiji esteja no Final Day. Outros nomes importantes do surf brasileiros estão de volta ao tour depois de um longo tempo, Alejo Muniz e Ian Gouveia tiveram passagens importantes pelo tour, Alejo foi TOP10 em 2011, em 2014 apesar de cair, foi responsável direto por um caminho mais fácil para o primeiro titulo mundial de um brasileiro, ao vencer Kelly Slater no Round3 e Mick Fanning no Round5 do Pipeline Masters, esses caras brigavam contra Gabriel Medina pelo título mundial, Kelly já tinha seus 11 títulos e Mick os 03, Alejo não se intimidou e venceu os caras incontestavelmente. Ian, filho da lenda Fabio “Fabuloso” Gouveia, volta com um surf mais maduro e competitivo, Ian fez seu melhor resultado na elite em PIPELINE 2017, o Fabulosinho venceu nomes como Filipe Toledo, Matt Wilkinson e Joel Parkinson para chegar até a semifinal, onde foi derrotado pelo campeão mundial daquele ano, John John.
Edgar Groggia é o estreante do Brasil no tour, confesso que vi ele surfar pouquíssimas vezes, é difícil emitir uma opinião mais clara, desejo que ele consiga apresentar seu melhor para se manter na elite.

Com a ausência de Gabriel, eu diria que John John, Kelly, Jack, Ramzi e Chumbinho têm probabilidades maiores de vitória em Pipeline do que os outros, dentro da margem de erro estão Ítalo, Ethan e Yago. Sim, se você não sabia, John John vai surfar a etapa de PIPE, obvio que ele iria, desde que anunciou que estaria fora em 2025 até confirmar sua presença em PIPE deve ter demorado três dias, Kelly Slater também vai surfar em PIPE, mesmo depois de já ter se aposentado 3478 vezes o inoxidável Kelly competirá mais uma vez em Pipeline, e não se engane, o careca tem chances reais de vitória neste tipo de onda, é verdade que a força física tão exigida em PIPE já não é mais uma aliada, mas a experiência em encaixar naquelas ondas através de caminhos que só ele conhece, deixa o tio Kelly em pé de igualdade com o pelotão de frente nessa onda, Kelly entrou no tour há dez mil anos atrás, e não tem nada em Pipeline que ele não saiba demais, nos últimos 10 anos Kelly fez 04 semifinais (2016, 2018, 2019, 2021) vencendo em 2022, há dois dias de completar 50 anos. Se a onda é Pipeline, o tio Kelly, continua sendo Kelly Slater. John John não precisa de nenhuma explicação do porque ele pode vencer, Jack já venceu em PIPE, conhece os atalhos, é um surfista que cresce absurdamente em ondas tubulares, Ramzi e Chumbinho já mostraram do que são capazes nos tubos, aliás, esses dois caras fizeram aquela que foi indiscutivelmente a melhor e mais disputada bateria das Olimpíadas 2024, foi um confronto épico, que mostrou a habilidade deles no maior palco do esporte mundial. João e Ramzi podem se enfrentar e repetirem aquelas performances grandiosas, já que estão do mesmo lado da chave, o que é uma pena, porque isso determina que apenas um deles pode chegar a final.

Confesso que o tour feminino em ondas como Pipeline e Teahupoo tem sido melhor de assistir que o masculino, é impressionante ver o nível que a nova geração feminina vem surfando esse tipo de onda, é um movimento inspirador onde elas mostram toda força e determinação ao se arriscarem em remadas tão críticas que muitos nomes de peso no surf masculino geralmente não se arriscariam. Em 2024, as mulheres elevaram significativamente o desempenho delas nesse tipo de onda, em Pipeline, Caitlin Simmers, Molly Picklum e Bettylou Sakura Johnson foram para mim os maiores destaques do dia final, me refiro aos maiores destaques de modo geral, elas dominaram o lineup, com brilho nos olhos e faca nos dentes Molly e Bettylou fizeram uma bateria onde as duas chegaram na casa dos 15 pontos, com Molly fazendo uma nota 10, já Caitlin Simmers foi a mais constante e venceu o evento, em 2025 adicione a estes nomes a presença de Erin Brooks, Moana Jones e Vahine Fierro, eu acredito que será uma competição simplesmente arrasadora. A nova geração do surf feminino está redesenhando o esporte, é uma revolução tão grande que nem mesmo Gabriel e John John fizeram em suas épocas, meramente a título de comparativo, das surfistas mais experientes, apenas Tatiana Weston-Webb está entre as cinco primeiras colocadas no ranking de abertura deste ano, a bicampeã Tyler Wright e as eternas futuras campeãs mundiais Sally Fitzgibbons e Lakey Peterson, figuram abaixo da 10ª colocação, isso mostra bem o que é a revolução do surf feminino. Ainda no surf feminino, o Brasil ganhou mais uma vaga no tour, Luana Silva assumiu a vaga que era da rainha do jogo todo, a autoridade máxima do surf feminino Stephanie Gilmore.

Saindo do ambiente competitivo, Ryan Callinan chega a PIPE sem o adesivo da Billabong no bico de sua prancha, Callinan deixou a marca que o patrocinava há mais de uma década e agora tem no bico de sua prancha o adesivo da Rivvia Projects, marca fundada por Julian Wilson, onde o próprio Callinan agora é sócio. A Rivvia Projects tem a proposta de trazer de volta o life style do surf para as roupas, uma vez que as grandes marcas do setor estão nas mãos de grandes conglomerados empresariais e em tese perderam a essência a identidade e o estilo de vida do surf. Boa Sorte a Rivvia.
Em Pipeline 12 brasileiros estarão na água, 10 homens e 2 mulheres, estou curioso para ver Alejo e Ian de volta à elite, esses caras são dois surfistas incrivelmente completos, agora mais maduros e experientes eles tendem a serem mais assertivos dentro dos 30 minutos, outro cara que desperta minha curiosidade é o mexicano Alan Cleland, ele surfou muito bem nas olimpíadas, vamos ver como ele se comporta nos diferentes tipos de onda do tour. Com a exceção de Kelly e John John que só surfarão em Pipeline, Filipe e Ítalo serão os únicos campeões mundiais competindo no masculino, Caitlin, Caroline e Tyler no feminino, um total de cinco campeões mundiais disputarão o título em 2025, numero baixo se comparado aos anos anteriores.
A janela de PIPE abre amanhã 27 de janeiro, tem previsão de 2,5 metros de onda no primeiro dia, mas o vento deixa dúvidas se a competição vai entrar na agua, nem sempre o vento apaga o fogo, muitas vezes incendeia. Com as ausências de Stephanie Gilmore, Gabriel Medina e John John a temporada deste ano tira 14 títulos mundiais da água, se Carissa não tivesse anunciado sua aposentadoria, seriam 19 títulos mundiais ausentes, no surf feminino vemos uma substituição desses nomes a altura, no masculino nem tanto. É bom aproveitar enquanto ainda podemos ver Gabriel, John John e Filipe, porque a previsão da substituição de nomes no masculino, não tem a mesma potencia que o feminino. Amanhã começa tudo de novo, Pipeline é sempre um espetáculo único, um palco perfeito para os melhores surfistas do mundo, façam suas apostas.

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