Por: Marcos Aurélio Chagas.
Em exatos três dias abre-se a janela para a competição que vai definir o campeão mundial de 2022, o WSL Finals.
A competição tem janela prevista para iniciar dia 08 e terminar dia 16 de setembro, em apenas um destes dias, a WSL vai colocar os cinco melhores surfistas na água para eles se digladiarem pelo título, em prol da audiência.
Confesso que o ano passado acreditava que a competição seria entediante, título mundial decidido em Trestles, uma onda que não oferta dificuldade para ninguém, tinha tudo para ser chato, e foi, até Filipe entrar na água, na ocasião o atual líder estava na terceira colocação, ele enfrentou Ítalo e depois Gabriel, apenas Filipe e Gabriel apresentaram surfe de final de título mundial, no mais, foi tudo enfadonho, mas a audiência foi a maior que a WSL já teve, e essa era a expectativa, expectativas confirmadas, formato repetido, este ano, estamos nós aqui novamente lidando com o título definido em apenas um dia, mais uma vez em Trestles, espero que ninguém amanheça com febre ou diarreia.
No ano passado a competição soava como algo injusto, Gabriel Medina, então líder do ranking, chegava em Tresstles com mais de dez mil pontos de diferença para Ítalo Ferreira, segundo colocado, no modelo anterior de decisão, Gabriel já teria sido campeão mundial por antecipação, apesar do modelo injusto, Gabriel fez o resultado ser justo. Este ano, Filipe chega com um pouco mais de três mil pontos à frente do vice líder Jack Robinson, Jack é o surfista de maior ascensão nos últimos doze meses. Se ele é o cara que vai enfrentar Filipe ainda não sabemos, tudo dependerá demais das condições, porém, nenhuma condição em Trestles será mais implacável com quem quiser chegar à final, do que a solidez de Filipe naquela onda, mas até chegarmos em Filipe, vamos analisar os confrontos.
Kanoa Igarashi, com 85 pontos a mais que Miguel Pupo, é o quinto colocado do ranking e primeiro a entrar na água em Trestles, ele vai duelar com Ítalo pelo direito de surfar contra o Ethan. Kanoa e Ítalo apesar de terem mais de cinco anos no tour, só se enfrentaram três vezes ao longo desses anos, com uma leve vantagem, Kanoa tem duas vitorias sobre Ítalo, Pipe Master 2017 e J-Bay 2022, o brasileiro venceu Kanoa em J-Bay 2019, fora do ambiente da WSL Ítalo massacrou o japonês na final olímpica em Tóquio, sim, a primeira bateria em Trestles será uma reedição da final olímpica.
É inegável a determinação desses dois surfistas, Kanoa tem sempre uma programação em mente, quando se trata de point break, ele tem 90% de chances de executar o que planejou, ninguém é mais programável do que ele, nesse tipo de fundo, Kanoa sempre alcança duas notas na casa dos sete pontos, ou acima, o que de certa forma torna ele mais previsível, mas para ele alcançar esse patamar de notas, o vento tem que ser favorável, paredes limpas e lips definidos são necessários para que enxerguemos o copo meio cheio, no caso de Kanoa o surfe, não sendo assim, Kanoa é aquele copo meio vazio, bem menos perigoso e muito menos auto programável, ano passado, apesar de ter paredes razoáveis, os lips esfarelavam na maioria das ondas, se estiver assim novamente, Ítalo vai atropelar o japonês de tal forma, que será impossível reconhecer o corpo, paredes com bamps e lips esfarelados favorecem a versatilidade e imprevisibilidade de Ítalo. Então Ítalo só vence se tiver vento? Não! Ítalo pode vencer em qualquer condição, ele tem um repertório mais amplo, mais intimidade com baterias decisivas, menos pressão por já ter um título mundial e olímpico, sobre tudo, Ítalo arrisca bem mais do que o pragmático Kanoa, contudo, se Trestles estiver realmente perfeita, Ítalo encontrará um adversário muito duro e muito difícil de ser batido, impulsionado pelas boas condições e por estar de frente para sua torcida. Apesar de defender a bandeira japonesa, Kanoa nasceu, aprendeu a surfar e cresceu em Huntington Beach, uma hora ao norte de Trestles, então, independente das formalidades, Kanoa será também os Estados Unidos nesta disputa. Mesmo assim, sou mais Ítalo.
Esse formato, além de injusto por beneficiar o melhor surfista do dia e não exatamente o melhor surfista do ano, traz à tona uma outra questão: Quais as chances reais de Kanoa ou Ítalo (5º e 4º colocados) vencerem o título? Eu diria, apesar de não ser impossível, as chances são mínimas!
Para Kanoa ou Ítalo vencer em Trestles, eles terão que surfar no mínimo cinco baterias em um único dia, com intervalo de meia hora entre uma e outra, seria razoável acreditar que, depois de surfar três baterias, um deles ainda tivesse folego para vencer o descansado Filipe por duas vezes seguidas? Esse é o tipo de situação que eu só acredito vendo, até que isso aconteça, eu diria que a chance de cada um deles é de 1% um por cento, contudo, enquanto houver 1% de chance, haverá 99% de fé, aguardemos.
Situação menos complicada está Ethan Ewing, apesar de estar apenas uma bateria a menos que seu adversário, surfar quatro baterias em um mesmo dia, já é algo mais palpável que cinco, não é tão incomum vermos determinado surfista competir três baterias em um único dia de competição, para chegar a quatro, é só um pouquinho a mais de esforço, se Ethan quiser uma inspiração, basta olhar o caminho de Filipe Toledo, o ano passado o brasileiro chegou à final saindo da terceira posição. Ethan já tem um atenuante, mas, e surfe, ele tem?
Se alguém acha que, pelo fato de Ethan não dar aéreos, ele está em desvantagem, eu diria que, isso é mais um ponto de vista do que efetivamente realidade, Ethan fez seus melhores resultados em point breaks de direita, foram três semifinais e uma vitória, tudo isso sem dar um único aéreo, em Jeffreys ele derrotou o inspiradíssimo voador Yago Dora, em Margaret só John John fez um placar maior que ele. A força do surfe de Ethan está onde os olhos distraídos não enxergam. Borda cravada na água, rabeta onde deveria estar o bico, quilhas sempre à amostra, pressão e velocidade na execução das manobras, criam a combinação perfeita para o perfil da onda de Trestles, esses elementos tornam Ethan um poderoso candidato ao título. Kanoa ou Ítalo de um lado, Jack Robinson de outro, nenhum desses três caras, nas melhores condições de Trestles, reuniriam, ao meu ver, tantas qualidades propícias a onda de Trestles como Ethan reúne, por isso, eu acredito que Ethan deva ser o adversário de Filipe nas finais, mas treino é treino e jogo é jogo, vamos aguardar o jogo começar.
Jack Robinson é entre todos os finalistas o cara que chega em Trestles com a mente mais confiante, o aussie chegou no México ano passado precisando de um excelente resultado para não cair, até chegar lá, sua melhor colocação havia sido uma nona posição, ao vencer no México ele parece ter virado a chave, este ano ele fez três finais, vencendo dois eventos. Jack é favorito? Não!
Apesar da mente confiante, e de ser um surfista que tem em seu repertório todos os fundamentos, Jack é fora da curva em apenas um deles, o tubo, quando se fala em aéreos, Jack compete de igual para igual com alguns bons aerialistas, ocorre que, tubo é praticamente um fundamento fora de cogitação em Trestles, e para achar as raras rampas, como Gabriel achou o ano passado, Jack vai ter que apostar mais nas esquerdas, só que, ao contrário de Gabriel, ele não terá tempo, ou três chances para arriscar, se Jack não vencer sua primeira bateria ele está fora do jogo. Em outras frentes, se você analisar as características do surfe de Jack, levando em consideração aquilo que a onda de Trestles pede, a tal combinação de execuções que falamos sobre o Ethan, você perceberá que Jack é de longe o menos habilidoso entre os três primeiros (Filipe, ele e Ethan), as rasgadas de Jack quase sempre são curtas, mesmo quando inverte a direção, ele deixa a impressão de ser muito mais um jogo de corpo, do que realmente força na rabeta, esse artificio pode funcionar bem nas poderosas ondas de Margaret, mas em Trestles é um “pecado” mais visível, o que me faz acreditar que Jack vai parar em sua primeira bateria, se essa teoria estiver correta, ele acabará o ano com a terceira colocação, tal qual aconteceu com Ítalo o ano passado, mas, pré-análises são apenas teorias, e, teoria sem a prática é "verbalismo", a depender de sua construção de ideias pode virar até “ativismo”, então, resumindo: Jack Robinson pode até vencer, mas se fosse para apostar meu suado dinheirinho, eu apostaria na terceira posição para ele.
Filipe já está lá, na final, assistindo a todos, colocando em prática aquilo que conhecemos como “analise swot”, para se defender daquele que for lhe enfrentar, por isso só, ele já seria o grande favorito, mas Filipe não é apenas a inteligência passiva da observação, Filipe é um combo de fatores e qualidades que o tornam de longe o grande favorito em Trestles.
Considerado por muitos como o melhor surfista do mundo em ondas de high performance, Filipe tem muitos fatores a seu favor, vejamos:
Filipe vai disputar o título em uma onda high performance, entre todos os finalistas, Filipe é de longe o cara que mais disputou decisões de título mundial, apesar de ainda não ter vencido, este ano o ubatubense tem em suas mãos uma chance única, ele chega em primeiro em um formato onde está na frente é fundamental, além disso, dentre os cinco, ele é o único que surfa aquela onda todos os dias, ele conhece ela melhor que ninguém, por esse motivo, Filipe também terá a torcida a seu favor, já que ele mora há anos em San Clemente e se adaptou muito bem à cultura americana, não bastasse esses fatores, o único cara no tour que disputou mais decisões de título mundial que Filipe, único a vence-lo na decisão do ano passado, este ano, não vai estar lá. Esquecendo tudo isso, é importante lembrar: Filipe é o segundo maior vencedor de etapas dentre os surfistas da elite, com 12 vitórias, uma delas na última edição de Trestles como etapa do tour, em 2017. Um cara tão acostumado a vencer, não deixará um título mundial escapar por entre os dedos, se dando ao deslize de perder duas baterias no mesmo dia, no quintal de casa, não mesmo!
Se todos esses fatores já não fossem suficientes, adicione a Filipe todas as qualidades atribuídas neste texto ao Ethan, com a superioridade de quem tem em seu repertório o jogo aéreo, o conhecimento local e a maior oportunidade de sua vida. Tudo isso reunido em um único dia, constrói sobre Filipe uma superioridade absoluta sobre seus adversários, vencer Filipe em Trestles é tarefa para além da determinação, da força física, do talento, e do desejo, vencer Filipe em Trestles, é tudo isso junto, e, dentre os cinco, só Filipe reúne todos esses fatores em um único surfista.
Próxima quinta, abre a janela para o evento mais importante do ano, tudo que foi dito sobre Filipe, vale para Carissa Moore. Que Filipe Toledo seja o melhor surfista do dia, porque o melhor surfista do ano, ele já é!
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