Por: Marcos Aurélio Chagas.
Embora poças de sangue do corte ainda estivessem visíveis quando começou o dia final em Margaret River, o bonito horizonte, as ondas pesadas do início da manhã, e também o anuncio do retorno de Kelly do mundo perdido, tornou o final day no Main Break do oeste australiano, algo mais suave do que sugere a afiada guilhotina do corte, e para nós brasileiros, mais interessante de assistir, já que o dia começou com dois de nossos campeões mundiais na água e terminou de maneira ainda mais envolvente, isso porque, o resultado final era o menos esperado, falemos disso depois.
Já sem as vítimas do corte, após alguns dias off, Gabriel Medina e Filipe Toledo abriram a competição com o único confronto entre campeões mundiais do dia, Gabriel surfava descontraído, dava a impressão que sabia que aquele era seu dia, o tricampeão desbancou o atual campeão mundial e vencedor de Maragaret 2021 sem muito esforço, parece que essa bateria mandou um sinal para ele, afinal, Filipe é alguém que, só não podemos dizer que seu surfe é o encaixe perfeito naquela onda, porque essa percepção está sobre a figura de John John.
Enquanto Gabriel saia da água, com a certeza de estar fazendo sua melhor apresentação em Margs, depois da vitória sobre Filipinho, João Chianca, apesar de surfar abaixo de suas possibilidades, fez o suficiente para passar a bateria sobre o australiano Connor O´Leary, com essa vitória, Chumbinho garantiu que a lycra amarela continuaria com ele na etapa seguinte, o Surf Ranch, ao avançar, o líder garantia também a presença de um brasileiro na final do evento.
A primeira semifinal entre Medina e Chianca foi uma partida com poucos momentos bons, eles travaram uma guerra psicológica, onde a briga de remada pela prioridade a princípio se revelou uma batalha inútil, sem vantagens visíveis para nenhum lado, mas uma guerra que, talvez, internamente, fosse um gatilho psicológico motivacional para eles. Medina já alcançou o posto de melhor goofy da história, é o competidor com fama de ser o mais implacável e eficaz do tour moderno, contudo, depois de quatro campeonatos sem conseguir romper a barreira das oitavas, a aura de invencibilidade parecia estar agonizando, não sei se em algum momento Chianca pensou assim, provavelmente não, mas, o conforto da lycra amarela somada a impetuosidade do um jovem e promissor surfista, talvez tenha feito Chianca entrar no jogo psicológico da remada de Gabriel, resultando em mais uma apresentação bem abaixo de suas possibilidades, Chianca pontuou pouco e ainda perdeu a prioridade em um momento crucial, Gabriel que dificilmente perde oportunidades, surfou sua onda final no critério, alongando os carvins e atacando o lip com muita força, o tricampeão fez Chianca perceber que, mesmo sem a lycra amarela, ele ainda era o xerife do time brasileiro, Gabriel avançou usando seu jogo de remada e Chumbinho parou em sua terceira semifinal do ano. E que ano!
John John entrou em sua semifinal equipado com uma arma discreta de destruição em massa, seu lay back, ou melhor, seus lay backs, já que ele tem dezenas de variações dessa mesma manobra, apesar disso, o havaiano não conseguiu usar seus recursos para avançar, ele esteve na frente de seu adversário por dois terços da bateria, deixando Griffin em uma frágil combinação. Griffin assumiu uma estratégia ousada ao sentar e esperar, porém, quando todos acreditavam que cinco títulos mundiais estariam na final em Margs, Griffin desconstruiu nossa crença, em cinco minutos o americano reverteu o placar com imensa facilidade, ele saiu de uma combinação frágil, para fazer uma apresentação indefectível, colocando John John em uma combinação pesada, impensável. Pela primeira vez John John conheceu uma derrota esmagadora em Margaret River, onda que ele dominou como ninguém nos últimos anos, a estratégia de Griffin foi ousada, já que os surfistas mais ocupados no outside estavam se saindo melhor, com a vitória de Griffin, o americano avançou para encontrar na decisão o cara que depois de doze temporadas, chegava pela primeira vez a uma final em Margaret River. Gabriel Medina!
Antes de falar da final masculina, é preciso dizer que, apesar de Carissa e Tyler formarem um duelo de gigantes, a final feminina foi uma bateria comedida, notas medianas nos faziam acreditar que uma apresentação enfática ainda estaria por vir, mas essa apresentação nunca apareceu, na pratica, Carissa resistiu a Tyler e Tyler não ameaçou Carissa, a havaiana levou a melhor na competição, ela foi a campeã, a australiana levou a melhor no ranking, com a final na conta Tyler assumiu a liderança do tour feminino, ao final, as duas se deram bem, mesmo sem apresentarem um bom surfe.
Gabriel Medina e Griffin Colapinto vem se tornando um clássico no tour, o brasileiro vinha de tranquilas três vitorias sobre o americano, até que 2022 chegou e Gabriel perdeu pela primeira vez para Griffin, em El Salvador, com essa vitória o americano parece ter encontrado a formula para abater o tricampeão, isso porque, apenas esse ano, em pleno 2023, Griffin havia vencido Gabriel em duas competições seguidas, Sunset e Portugal, empatando o placar de um jogo que ele perdia de goleada.
Quando a buzina tocou, Gabriel tratou imediatamente de buscar sua primeira onda, certamente ele não queria ver Griffin virar o placar, então, como um pitbull faminto, Medina foi caçando as melhores ondas. Apesar de suas primeiras notas não corresponderem às apresentações, a segurança com a qual o tricampeão surfava nas difíceis direitas de 2,5 metros, jamais foi incomodada durante o dia final, enquanto seus adversários fugiam ou caiam nas junções, ele atacava-as frontalmente, em minha percepção, um fator chave no desempenho de Gabriel foi a grande amplitude de seus carvins, fazendo ele chegar sempre seguro aos lips ou às junções, já Griffin, que na semifinal foi intratável ao impor uma combinação maiúscula a John John, achou um tesouro nos minutos finais, mas ele estava tão focado em atacar o lip, que acabou não percebendo a onda rodando, com isso, perdendo a chance de reagir. Apesar da derrota, ele pode se consolar com o fato de que, certamente está fazendo seu melhor ano, e sem dúvida, Griffin é hoje um dos surfistas com o repertório mais completo, apesar disso, o dia era de Gabriel Medina.
Após a atuação dominante sobre Griffin, Gabriel invadiu de vez a zona da disputa pelo título mundial, ele voltou a produzir performances irretocáveis. Olhar para o retrovisor do ranking e perceber Gabriel se aproximando, já na sétima colocação, depois de vê-lo vencer a etapa que era seu calcanhar de Aquiles, deve dar uma certa agonia aos TOP5, tendo em vista que, basta eles olharem para frente e perceberem que ainda tem Surf Ranch e Teahupoo, isso não deve ser nada tranquilizador. Enquanto isso, Medina disse em um tom sereno, mas que pode ser compreendido como ameaçador pelos outros competidores, “estou de volta”.
Gabriel se reencontrou com as vitorias depois de um longo período sem vencer no circuito mundial, apesar desse jejum, Medina fez ontem sua 30ª final na elite, e sua 17ª vitória, se igualando em número de vitórias a Barton Lynch e Mark Richards, poderia ser sua 18ª vitória, mas a WSL não considera o WSL Finals como uma etapa, é estanho, más é assim.
João Chianca e Tyler Wright deixaram a Austrália no topo do ranking, veja aqui o ranking masculino e aqui o ranking feminino.
Agora o circuito começa de verdade, a próxima etapa será daqui há um mês, nos dias 27 e 28 de maio, no meio do deserto, no Surf Ranch, local onde Kelly paga o IPTU, mas o verdadeiro dono é Gabriel Medina.
Nos vemos lá!
Comments