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Bells: A mais tradicional etapa do tour - Da importância histórica a antessala do corte.

Por: Marcos Aurélio Chagas.

A mais tradicional etapa do circuito mundial vai começar pela 60ª vez amanhã, lá na Austrália, hoje, aqui no Brasil. Bells é sempre uma festa a parte, quando tem boas ondas é um espetáculo garantido, os maiores nomes do surfe mundial alcançaram a gloria em Bells, Mark Richards, Tom Curren, Tom Carroll, Damien Hardman, Nick Wood, Occy, Pottz, Kelly, Andy, Taj, Mick, Parko, Jordy, Mineiro, Ítalo, John John e Filipe, mas, como para toda regra sempre há pequenas exceções, dois nomes de alta grandeza em suas gerações nunca venceram ali. Gary “Kong” Elkerton e Gabriel Medina jamais tocaram o sino mais desejado do universo do surfe, o brasileiro, apesar de ter feito semifinal, em sua 12ª temporada na elite, ainda falta a ele, Gabriel Medina, uma apresentação do nível Gabriel Medina em Bells. Apesar da onda não favorecer aos goofys, por ser na maioria das vezes muito “deitada”, quando ela encaixa na bancada um pouco mais “encavalada”, a situação muda, ela permite que os goofys sejam mais verticais e consequentemente mais competitivos, mas isso não acontece sempre, o maior exemplo dessa dificuldade está exposta nos resultados, nos últimos 25 anos, apenas os goofys Mark Occhilupo, Matt Wikinson e Ítalo Ferreira venceram em Bells.

Muitas vitórias merecem destaque em Bells, contudo, considero uma delas como uma das mais importantes vitórias de um surfista no tour, outras duas, muito especiais, vamos a elas.

Simon Anderson em Bells 1981 - Foto: IPS

Ao vencer em Bells Beach em 1981, Simon Anderson mudava o curso da história do surfe, o sábado de Páscoa amanhecia ensolarado em Torquay, ninguém previa ondulação na casa dos 20 pés, é sempre bom lembrar que naquela época não havia serviço de previsão. Em 1981 o mundo do surfe só conhecia pranchas biquilhas, então, para adicionar mais uma camada de surpresa ao dia que já havia começado bastante surpreendente pelo tamanho das ondas, Simon Anderson chegou na praia causando bastante intriga, em Bells 1981, o mundo via pela primeira vez uma prancha triquilha, como tudo que é novo causa controvérsias, mesmo já tendo vencido Bells em 1977, naquele momento, Simon foi visto apenas como alguém que queria atenção, contudo, ao chegar na final e vencer Cheyne Horan, surfando com a segurança que nenhum outro surfista aparentava ter, todos os outros usavam biquilha, Simon mudou a concepção de surfistas e shapers, consequentemente, a rota do surfe. Com seu modelo exótico à época, Simon Anderson aposentou em definitivo as pranchas biquilhas, hoje, 42 anos depois, as triquilhas de Simon são as pranchas mais usadas do mundo desde então, e não há nada no horizonte que aponte para uma mudança dessa supremacia, viva Simon, viva Bells. Veja aqui imagens de Simon Anderson surfando em Bells 1981, a primiera vez de uma triquilha na água.

Nick Wood - Foto: ASP

Apesar do site da WSL, sabe-se lá por qual motivo, indicar o bicampeão mundial Damien Hardman como o vencedor em Bells 1987, o verdadeiro campeão neste ano foi o australiano Nick Wood. Nick, que para muitos era alguém com talento comparável ao de Kelly, em 1987, se tornava o surfista mais jovem a vencer uma etapa do circuito mundial, ao vencer Bells com apenas 16 anos. Esse feito do “The Phantom”, como era chamado, foi algo tão bizarro, que até hoje ele detém o título de mais jovem surfista a vencer uma etapa do CT, curiosamente, Nick perdeu o troféu de sua vitória em Bells. A Carreira de Nick durou pouco, mas o suficiente para ele deixar seu nome cravado na história, veja aqui imagens de NIck Wood, um cara que poderia ter sido um dos maiores.

Ítalo e Mick - Foto: WSL

A terceira vitória mais significativa para mim, foi a de Ítalo em 2018, o brasileiro venceu Mick Fanning na final, um tricampeão mundial, alguém que já havia vencido Bells por quatro vezes, que venceu ali como convidado mesmo antes de fazer parte da elite, um ícone da cultura pop e do esporte australiano, um dos maiores do surfe mundial, Mick se despedia do tour naquela etapa, depois de 17 temporadas entre os melhores surfistas do mundo. Na pascoa de 2018 em Bells Beach, todo o cenário, ambiência e torcida, convergiam para uma grande vitória na despedida do gentleman Mick Fanning, mas, os deuses do surfe, esqueceram de combinar esse enredo com o obstinado Ítalo Ferreira, o brasileiro surfou como se estivesse em Baia Formosa, desbancando o tricampeão com propriedade, vencendo em Bells pela primeira vez na carreira, se juntando a Silvana Lima e Adriano de Souza, únicos brasileiros que haviam vencido em Bells anteriormente. Em Bells 2018, um campeão se retirava, outro nascia, seu nome? Ítalo Ferreira! Veja aqui a história da vitória de Ítalo em Bells.

Este ano Bells chega com muitos atrativos, como falamos aqui em matéria anterior, outro ícone do surfe australiano vai dar adeus às competições na mais tradicional etapa do tour, Owen Wright, um membro da família real do surfe australiano, seguirá seu caminho tendo o surfe competitivo como uma saudosa lembrança do passado, para coroar sua bela carreira, Owen e seu patrocinador escolheram Bells para essa celebração. Em meio a esse turbilhão de emoções para os australianos, haverá espaço ainda para a uma 'Heritage Heat', ou simplesmente uma bateria comemorativa, essa bateria seria muito pouco importante levando em consideração que Bells é a antessala do corte, eu disse seria, se ela não fosse disputada entre os lendários Tom Curren e Mark Occhilupo.


Tom Curren em Bells 2019 - Foto: WSL

A rivalidade de Curren e Occy foi épica! Essas duas lendas competiam no mais alto nível nos anos 80 e 90, e tiveram algumas batalhas insanas. Individualmente Curren e Occy protagonizaram grandes momentos em Bells, juntos, eles protagonizaram aquela que seria para muitos a bateria mais disputada na história daquela onda, a primeira semifinal de 1986, foi um duelo da elegância contra a força, veja aqui os melhores momentos do confronto, melhor para Curren, que acabou avançando para a final, mas, na final Curren acabou perdendo para o powersurf de Tom Carroll.

Essa será a terceira bateria comemorativa entre as duas lendas, em 2019, Curren e Occy fizeram ali mesmo em Bells um “Heritage Heat”, com vitória de Occy, no primeiro duelo entre eles, o triunfo foi para Tom Curren nas direitas de J-Bay, em 2014, fica então agendado o desempate a qualquer momento em Bells, os fãs do surfe certamente aguardam entusiasmados.

A história de Bells contrasta profundamente com o significado atual, Tom Curren foi campeão mundial em 1985, 1986 e 1990, em todos esses anos o norte-americano foi finalista em Torquay, vencendo em 1985 e 1990, hoje, devido à pressão do corte, Bells Beach se tornou para muitos, a porta de entrada para o abismo.


Kanoa Igarashi - Foto: Ed Sloane

Alguns grandes surfistas estão pendurados, precisando de resultados urgente para escaparem do corte, o encrespado Kanoa Igarashi, que surfou em Bells22 com a lycra amarela no corpo, faz em 2023 um ano atípico, certamente seu pior início desde que chegou ao tour, neste momento o japonês encontra-se na 24ª posição, abaixo da linha do corte, mesmo tendo uma borda que em tese seria o encaixe perfeito para as linhas de Bells, Kanoa jamais conseguiu algum resultado significativo naquela bancada, sempre oscilando entre a 33ª ou 25ª posição, o peso de um ano irregular poderia piorar esse retrospecto, mas a mente de Kanoa é forte o suficiente para mudar o cenário, apesar do risco por estar abaixo do corte, e do retrospecto ruim em Bells, é pouco provável que o japonês caia, ele dará sua vida em Bells e Margaret.

Kelly, também na 24ª posição, apesar de ter força mental até maior que a de Kanoa, e assim como Mick já ter vencido por lá quatro vezes, a essa altura, a força de seu surfe já não se equipara mais à força de sua mente, recentemente ele disse que se sente finalizando, com todo respeito ao GOAT, se as condições em Bells não estiverem similares a 1981, não apostaria meu suado dinheirinho nele, na verdade não apostaria nem no Fantasy, o risco da porta do abismo se abrir para Kelly em Bells é lamentável, mas é real. O GOAT não precisava passar por mais esse desafio, espero que ele consiga atravessar a linha do corte, sair pela porta dos fundos não seria uma despedida digna de sua carreira.


KOlohe Andino - Foto: WSL

Kolohe Andino chegou ao tour muito bem patrocinado, como uma grande promessa americana em 2012, depois de alguns anos, algumas finais e nenhuma vitória, o americano está muito próximo da queda, em todas as temporadas Kolohe jamais passou da terceira fase em Bells, e, apesar de já ter feito final em Margaret River, o americano está muito afastado numericamente da linha de corte, ele ocupa atualmente a 31ª posição do ranking, acredito que suas participações em Bells e Margaret sejam meramente protocolares, apesar de torcer para que ele se recupere, não acredito nisso.

O brasileiro Michael Rodrigues também está na zona da degola, na 27ª posição MRod tem pela frente uma etapa onde seu surfe em tese se sobressai, ele pode aplicar sua borda bem surfada se Bells estiver mais deitada, e sua progressividade se a onda entrar mais “encavalada”, Michael é um surfista muito melhor que seus resultados propõem, a parte boa do tour para ele começa agora, espero que ele consiga aproveitar bastante em Bells e até Margaret, dos surfistas abaixo da linha de corte, esses quatro são os mais expressivos. Veja aqui o ranking completo.

Bells abre a janela hoje, a mais tradicional etapa do surfe mundial construiu ao longo dos anos uma história apenas de alegria, o corte mudou tanto o ambiente do esporte que Bells virou para muitos, um peso maior do que suas forças podem levantar, inevitavelmente muitos sairão de lá derrotados, alguns poucos, aliviados, outros, certamente, assim como Simon Anderson e Nick Wood, só querem fazer história.

A chamada para Bells será às 18hs, veja aqui as baterias do Opening Round.

Nos vemos lá.




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