Yago e Bettylou vencem pela segunda vez no ano. Yago acorda e isso deve assustar os adversários e até ele mesmo.
- Redação | Vision Surf |
- 15 de jun.
- 6 min de leitura
Por: Marcos Aurélio Chagas.
A onda de Trestles, embora clássica, muitas vezes é criticada por sua previsibilidade e falta de potência, tornando as baterias monótonas, em comparação a picos mais desafiadores. Seu ritmo suave exige mais dos atletas para criar emoção e espetáculo, e Yago Dora soube fazer isso como ninguém, mas antes de falar de Trestles, é importante fazer uma passagem rápida pela perna Australiana.

Esse ano a perna australiana começou com Bells, o perfil da onda de Bells, unida a baixa performances na água, tem deixado aquela etapa bem chatinha ultimamente, contudo, esse ano teve o fator Morgan Cibilic, com seu surfe ágil, destemido, personalidade extrovertida e nenhum peso nas costas. Depois de anos fora da elite, o jovem Morgan foi destruindo um a um daqueles que passavam pelo seu caminho, até parar na semifinal, onde perdeu para o finalista Kanoa Igarashi, que depois perdeu a final para o supervalorizado Jack Robinson.
O herói australiano Jack Robinson parecia imbatível, Robbo saiu campeão em Bells para ser o primeiro surfista eliminado na Gold Coast, Morgan Cibilic e Julian Wilson, dois australianos ex-membros da elite, foram os responsáveis por lembrar a torcida que Robbo até poderia ter sido herói em Bells, mas na Gold Coast, ele não passava de si mesmo.

Julian Wilson para mim é um dos melhores surfistas da história, talvez o melhor surfista do mundo sem um titulo mundial para chamar de seu, rivalizando neste quesito fortemente com as lendas Taj Burrow e Rob Machado. Na Gold Coast, Julian mostrou que ainda tem muita lenha para queimar, ele venceu Ítalo, Miguel, Kanoa e outros para chegar as finais e encarar o poderoso Filipe Toledo, um surfista vencedor de 16 etapas do tour. Filipe venceu sua primeira competição há exatos 10 anos, ali mesmo na Gold Coast, contra o mesmo Julian Wilson.
Em 2025 Filipe repetiu a façanha de 2015, vencendo Julian com um placar bem apertado, 17.60 para Filipe, 17.20 para Julian. Apesar da derrota, Julian Wilson mais uma vez provou sua consistência de surfista de elite, mantendo-se competitivo no mais alto nível, mostrando por que segue sendo um dos nomes mais respeitados dentro do cenário do surfe.

No Oeste Australiano, um nome da mesma geração do Julian voltou a cena, um cara que assim como o Julian foi considerado como um futuro campeão mundial, mas que, quando chegou a sua hora de assumir o protagonismo, se viu atropelado pela geração mais jovem, especificamente por Gabriel Medina e John John Florence. Seu nome? Jordy Smith.
Jordy estava desde Bells 2017 sem vencer uma etapa no tour, naquela ocasião ele derrotou um inspirado Caio Ibelli. Em 2025, já relativamente esquecido pelo público, Jordy venceu duas etapas — El Salvador e Margaret River — duas ondas de perfis completamente diferentes, mostrando ao mundo que ele ainda é capaz de competir no mais alto nível. Suas performances reafirmam não apenas sua experiência e técnica refinada, mas também sua impressionante versatilidade, adaptando-se com excelência a diferentes condições e reafirmando seu nome entre os grandes do surf mundial, com as duas vitórias, Jordy assumiu a liderança do tour, façanha que ele já havia alcançado antes em 2010, 2013, 2016 e 2017, nas duas últimas vezes que ele assumiu a liderança do ranking havia um John John cafungando em seu pescoço, agora, ele tem um confiante Yago Dora, que parece ter descoberto os atalhos da vitória no tour, e se isso realmente aconteceu, nem Jordy, nem nenhum outro surfista terá vida fácil. Yago é uma aberração surfando, e agora o bichinho da competição parece que mordeu ele.
Em sua estreia na competição em Lower Trestles, Yago fez história, ao derrotar pesos-pesados como Ethan Ewing, Griffin Colapinto e Kanoa Igarashi, todos regulares. Yago se tornou o primeiro goofyfoot masculino a vencer em Trestles desde Luke Egan, em 2002 — excluindo a vitória de Gabriel Medina no WSL Finais de 2021. Mas antes de entrar na história de Yago, é importante falar do show de Bettylou Sakura Johnson e Molly Picklum.

A final feminina foi uma demonstração completa do melhor surfe de borda, Bettylou e Molly estavam poderosas e comprometidas no outside de Trestles, elas foram as melhores mulheres do evento e os números comprovam. Molly obteve a maior pontuação em uma única onda (9,60), Bettylou conseguiu as três seguintes (9,00 – 9,00 e 8,83).
Molly a toda onda tentava superar Bettylou, mas a principal diferença foi que Bettylou surfou muito consistentemente, com um approach mais íngreme, enquanto o surfe de Molly foi mais lateral. No final, a abordagem mais crítica com ataques mais frontais de Bettylou lhe rendeu a segunda vitória no CT de sua carreira, e a segunda em três eventos. Enquanto isso, com o segundo lugar em Trestles, Molly assume a lycra amarela que estava com Gabriela Bryan.

Voltando ao masculino, surfando sempre para a esquerda, Yago foi dando seu show e roubando a torcida californiana de Kanoa Igarasgi. Kanoa foi até bem elogiado por sua abordagem, ele fez nesta etapa talvez aqueles que tenham sido os melhores carvins de sua carreira, até chegar à final o japonês surfou com velocidade, aplicando carvins amplos, com borda cravada na água, passeando desde o bico até a rabeta com estilo e pressão, tudo que Trestles pede, com isso Kanoa acabou caindo na armadilha da previsibilidade. Na bateria final, com a comparação direta com a abordagem progressiva e irrepreensível de Yago, os elogios anteriores aos carvins consistentes, acabaram virando críticas por sua incapacidade de mudar a abordagem e de responder a Yago na mesma moeda, enquanto Yago deixava a torcida na praia arrepiada, Kanoa, com seu carvins poderosos, contudo repetitivos, não conseguia brigar com Yago de igual para igual.

Em Trestles Yago conseguiu driblar a famosa previsibilidade da onda com sua abordagem criativa e explosiva, transformando aquela onda muitas vezes criticada pela monotonia em um verdadeiro palco para o espetáculo progressivo. Com transições fluidas, manobras aéreas ousadas e leitura precisa da linha da onda, Yago determinou ritmo, imprevisibilidade e emoção às suas baterias, provando que, mesmo em condições lineares, o talento pode reinventar o cenário. Yago foi o único brasileiro no dia final de competição, ele estava tão confiante em seu surfe que deixou para a final seu maior show, nesta bateria Yago fez a maior nota (9,53) e o maior somatório do evento (17.90), sua vitória não foi apenas técnica; foi uma aula de como elevar o nível competitivo com estilo, atitude e autenticidade.

Mais do que uma vitória, Yago impôs um desafio a aqueles que acreditavam que 2025 era o ano de Jordy Smith, vamos ver o que Yago ainda tem para aprontar e como Jordy e todos os outros candidatos ao título reagirão depois da segunda vitória no ano de Yago Dora.
Yago acordou e se levantou, agora todos conseguem ver seu tamanho real, a grandeza de Yago pode assustar a todos, inclusive a ele mesmo. A próxima etapa será em Saquarema, foi em Saquarema que Yago nasceu para o mundo em 2017, quando, como convidado, venceu um tricampeão mundial e dois futuros tricampeões mundiais, derrotando em sequência John John Florence, Gabriel Medina e Mick Fanning, até ser derrotado por Adriano de Souza na semifinal.

Foi em Saquarema também que Yago venceu pela primeira vez no CT, em 2023, em uma batalha contra o estilo e a polidez de Ethan Ewing. Nesta ocasião a progressividade de Yago lhe rendeu uma onda de 10.00 pontos, apagando toda a beleza do surfe de Ethan.
Yago é um dos surfistas mais criativos e imprevisíveis da elite. Em Trestles ele mostrou ao mundo seu poder surfando na direção contraria de todos os outros, em todos os sentidos. A vitória em Trestles parece ter sido o início de uma nova fase, onde a inteligência competitiva demostrada nas baterias contra Ethan e Griffin, unida ao talento e a progressividade, passou a ser definitivamente temida e admirada.
Yago chega em Saquarema na vice-liderança do tour, bem próximo do líder Jordy Smith, não será impossível, mas também não será fácil impedir que Yago saia de lá com a lycra amarela no corpo, e se isso acontecer, será um passo importante para colocar Yago na rota correta da estrada cujo o destino final é o título mundial.
Saquarema vem ai, Yago também!

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