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Caitlin Simmers e “Barrel Mamamiya” são os novos Pipeline Masters em um evento rico em performances e desculpas esfarrapadas.

Por: Marcos Aurélio Chagas


O circuito começou em 2024 com erros que vem acontecendo com bastante frequência desde que a turma do Dirk Ziff, um bilionário não surfista, assumiu o comando do esporte em 2015. Depois de um primeiro dia de ondas solidas, alguns dias de folga se seguiram, quando chegou a segunda 05/02 com o maior mar da janela, a WSL não colocou a competição na água em nome da “segurança dos surfistas”, gerando total pandemônio no universo do surfe. A mente morta dos administradores da entidade no que diz respeito ao conhecimento do esporte, não parecia se importar com o surfe, eles sufocaram qualquer possibilidade de vermos os melhores surfistas do mundo desafiando ondas de verdade, as vezes acho que o mundo ideal da WSL é a merrecaria que eles enxergam através das janelas de seus escritórios na California, não atoa Trestles vai decidir o título mundial pelo quarto ano seguido. Enquanto o mar bombava em Pipeline sem competição na água, Ítalo, Gabriel e outros, afiavam suas garras esperando que o evento fosse declarado ON ainda naquele dia, o que não aconteceu, talvez por falta de nomes como Shane Dorian, Kieren Perrow ou até Jamie O’Brien comandando a chamada.


Ethan Ewing - Foto: Tony Heff

Quando o segundo dia entrou na água em condições bem amenas para Pipeline, foi uma enxurrada de zebras, para nós brasileiros foi um dia para esquecer, um a um, todos os brasileiros foram caindo, importante dizer, sem margem para subjetividades.

Ítalo caiu mesmo surfando a melhor onda de toda sua carreira em Pipe, 8.87. Gabriel caiu surfando aquilo que foi sua pior bateria da carreira em Pipe, o tricampeão somou surpreendentes 2.73 pontos, nada funcionou para ele. O Campeão de 2023 e o campeão de oito edições de Pipe, Jack Robinson e Kelly Slater respectivamente, também deram adeus a competição no Round dos 32. Jordy Smith que há muitos anos não fazia uma apresentação convincente em Pipe, encontrou o ritmo perdido, surfando absurdamente bem neste round, apesar de ter sido escovado no round seguinte. Callum Robson fazia a melhor nota da competição entre os homens até aquele momento, 9.33, John John, também até aquele momento, fazia o maior somatório do evento masculino 17.34, ambos no R32, contudo, eles foram superados por “Barrel Mamamyia”, mas isso é assunto para mais adiante. Com as ausências de Gabriel, Robbo e Kelly, John John se tornava o único nome considerado favorito a continuar na competição após o round 32. Eu me pergunto se os resultados poderiam ter sido diferentes se a WSL tivesse colocado o campeonato na agua na segunda, obrigando os surfistas a buscar as bombas, foi perceptível que alguns atletas queriam correr na segunda, outros provavelmente queriam fugir. Um surfista australiano escreveu uma carta aberta para a WSL, dentre muitos desabafos, ele pergunta: “Como você conseguiu arrancar a derrota das garras da vitória com tanto sucesso? ” Colocação inteligente e coerente, mas a verdade é que as coisas são como são e a WSL parece não se importar muito com Pipeline, ela gosta mesmo é de Trestles.


Carissa Moore - Foto: Tony Heff

Quando as meninas puderam enfim entrar na água, sobrou para elas um mar ridículo, um contundente “as meninas merecem mais que isso brotou em meu whatsaap vindo de um amigo que neste momento, por precaução, prefiro não o identificar. As duas primeiras vítimas das condições pouco dignas de Pipe a darem adeus a competição foram a pentacampeã mundial Carissa Moore e a eterna candidata a campeã mundial Lakey Peterson. Carissa disse:  “Eu queria mais do que tudo poder fazer uma performance e compartilhar meu amor e alegria pelo surfe com todos no Pipe Pro. Em vez disso, terminei minha última bateria em casa em condições desafiadoras com menos de 2 pontos A verdade é que Carissa ficou a bateria quase inteira esperando uma onda tubular que não veio, ela se despediu do circuito, ao menos momentaneamente, em uma situação completamente dissociada de sua carreira, o que não me impede de dizer, obrigado Carissa. A derrota precoce de Carissa, seguida pela queda de Lakey, pareceu amplificar ainda mais as decisões confusas tomadas no evento, só nos resta orar por decisões mais acertadas em eventos futuros.

Como todos os dias é sempre um dia após o outro e sempre uma nova história, o dia final começou com boas ondas e confrontos de altíssimo nível, sobre tudo entre as meninas, confesso que nesta etapa gostei bem mais de assistir a elas do que aos caras. O fato de a decisão masculina ter sido 100% havaiana, o que não ocorria desde 1997, em bateria homem a homem, quando o bad boy Johnny “Boy” Gomes venceu a competição surfando contra o uncle Michael Ho, as boas ondas e o show da nova geração feminina, deu às decisões equivocadas da WSL um verniz superficial de aceitabilidade, pela lastimável decisão da entidade ter deixado os surfistas fora d’água no dia mais sinistro da janela.


Molly Picklum - Foto: Tony Heff

O dia final, finalmente deu as meninas o que elas mereciam, uma chance de mostrar suas habilidades em um verdadeiro Pipeline, depois do que vimos é difícil fechar os olhos, se as mulheres receberem mais, elas nos darão mais. Depois de 15 anos de domínio absoluto de Stephanie Gilmore e Carissa Moore, Caitlin Simmers e Molly Picklum deram provas mais que suficiente que elas estão iniciando uma nova era no surfe feminino, as performances que elas vêm exibindo desde o ano passado nos mais diferentes perfis de onda (Caitlin venceu em Portugal e no Brasil e fez final em Teahupoo, Molly venceu em Sunset, fazendo final em Bells e J-Bay), somadas ao que elas apresentaram hoje em Pipeline, nos faz acreditar que pelos próximos 10 anos elas devem dominar esse esporte, mas não só elas, a medida que a semifinal feminina se apresentava com duas jovens de 18 anos, uma de 21 e outra de 24, tornou-se difícil ignorar a forte mudança geracional no surfe feminino, tal qual aconteceu no masculino em 2011 com a entrada de John John e Gabriel. Voltando às performances das meninas em Pipe, não podemos ignorar a participação de Bettylou Sakura Johnson, que aliás, em meu ponto de vista fez a melhor bateria de toda a competição na semifinal contra Molly Picklum, me refiro a melhor bateria entre homens e mulheres, acredito até que a melhor bateria que vi nos últimos tempos no circuito mundial, elas lutaram e surfaram de uma forma tão visceral que me fez acreditar que elas venceriam qualquer um - apesar de ter perdido para Molly, que entrou para a história ao se tornar a primeira mulher a tirar 10 em Pipeline, surfando com perfeição um tubo que muitos marmanjos puxariam o bico, Bettylou entubou com estilo e segurança em uma craca no minuto final, que lhe rendeu um 8.33, ela precisava de 8.61 para virar, Bettylou somou 15.33 contra 15.60 de Molly, a havaiana bateu na trave, repetindo em seu segundo ano de tour, o mesmo resultado que alcançou em Pipeline o ano passado, a 3ª colocação.

Caitlin Simmers - Foto: Brent Bielmann

A final foi um duelo de gigantes, Molly acordou tarde, remou direcionando sua prancha para o trilho certo, fez uma linha inferior perfeita, passando por dentro de uma guilhotina afiada antes de sair na segurança de uma linha alta, foi uma abordagem tecnicamente desafiadora, resultando em um 9.27, essa nota parecia ter colocado a australiana em uma posição de comando no confronto, mas Simmers que tinha um 8.33 fez uma jogada hábil, precisando de pouco para virar, ela se jogou em uma onda sem tubos para o Backdoor e mandou uma paulada no olho, à partir daí o mar parou e a onda de manobras, acabou determinando o título do Pipeline Pro 2024 para Caitlin Simmers, foi a vitória de uma pequena e gigante. Apesar de Molly ter feito uma competição mais sólida, (das cinco maiores notas do evento feminino Molly tinha três delas, sendo o 10 a maior) isso não diminuiu em nada a grande vitória de Simmers, que conquistou seu terceiro triunfo no tour em menos de um ano. Para ser sincero, não tenho a menor dúvida que veremos muitas outras vitorias dessa dupla em um futuro muito próximo, parabéns as meninas, surfaram Pipeline grande melhor que a maioria dos homens. Depois da vitória, ainda extasiada Caitlin disse: “Pipeline é para as malditas garotas” depois sorriu timidamente e continuou - “Essa onda é assustadora. Eu respeito todos que querem fazer parte disso e todos que não querem fazer parte disso.” - Reflexivo. A verdade absoluta é que PIPELINE 2024 MOSTROU AS MELHORES PERFORMANCES FEMININAS DE TODOS OS TEMPOS.

Quando a sirene tocou no início do dia para os homens, nomes de envergadura como o atual vice-campeão mundial, o australiano Ethan Ewing, e o vice-campeão mundial de 2010 o sul-africano Jordy Smith, então favoritos em seus confrontos, perderam para Connor O´Leary e Barron Mamiya, respectivamente, nessa bateria Barron começava a dar sinais de que tinha determinação, confiança e surfe no pé o suficiente para chegar na final, enquanto Jordy não acertava absolutamente nada, o sul-africano pontuou 2.83 em sua melhor onda, Barron achou com extrema facilidade dois tubos na casa dos sete pontos, me arrisco a dizer inclusive que os juízes foram cautelosos nas notas do havaiano, já que aquela era apenas a segunda bateria do dia.

John John - Foto: Brent Bielmann

Na fase seguinte, na semifinal, surfando contra Connor O´Leary, com apenas seis minutos de duelo Barron Mamiya já somava surpreendentes 18.84 pontos, 9.07+9.77, ele acabava de fazer com absoluta naturalidade, sem aparentar nenhum esforço, a maior nota e o maior somatório do evento, desbancando de uma única vez Callum Robson e John John Florence, que detinham essas marcas até aquele momento, à partir daí, não restou outra alternativa a não ser dar a alcunha de “Barrel Mamamiya” ao surpreendente havaiano, que descartava 6.83, 7.83 e 8.50, enquanto isso, Connor O´Leary, adversário de Barron, parecia tão frágil no outside quanto alguém que corta o dedo abrindo uma embalagem de miojo. Fazendo a melhor apresentação individual da competição masculina, “Barrel Mamamiya” avançava para a final com o tanque cheio de sonhos, e autoconfiança suficiente para transforma-los em realidade.

Barron Mamiya - Foto: Tony Heff

Assim como os atores da Broadway, Mamiya entrava na final como o dono do palco, apesar de ser um coadjuvante em face a figura de John John, seu adversário na final, sua bateria anterior lhe credenciava como o candidato a estrela maior do espetáculo, John John abriu melhor a bateria em um morno 7.33 para o Back Door, enquanto Barron queria construir sua história surfando para Pipe, a primeira onda de Barron foi uma onda grande de um tubo curto, ele recebeu 6.00, com a prioridade nas mãos e a vantagem de ser o surfista com mais horas dentro dos tubos de Pipe, na sequencia John John remou para a primeira onda de uma serie grande, impedindo Barron de entrar nela, como o bicampeão mundial nunca desperdiça nenhuma oportunidade, ele cravava naquele momento 8.00 pontos, o que pretensamente poderia lhe dar alguma segurança, mas assim que saiu do tubo, John John assistiu de camarote enquanto voltava para o outside, Barron vir descontrolado na segunda onda da série, Mamiya despencou quase que de cabeça pra baixo, viajou por um tubo longo e pesado, passando por três ou quatro placas, para sair na baforada com a certeza do 10.00, a certeza do Barron certamente era também de John John, “Barrel Mamamiya” entrava em ação novamente cravando um 10.00 unanime, jogando toda a pressão nas costas do bicampeão mundial, após esse presente dos deuses para Mamiya, sentado em sua prancha no outside, John John sentia a possibilidade da vitória escapar de suas mãos, o mar parou por uns 10 minutos e não ofereceu mais nenhuma onda que tivesse potencial suficiente para mudar o panorama estabelecido, nesse cenário a sirene tocou e “Barrel Mamamiya” sagrou-se um inédito Pipeline Masters, ofertando a O´ahu uma final 100% havaiana, 27 anos depois de Johnny Boy Gomes vencer Michael Ho em 1997, o Havaí está em êxtase.

Barron Mamiya - Foto: Brent Bielmann

Sobre o 10.00 Barron disse: “Eu sabia exatamente quando isso aconteceu, pensei, deve ser um dez, se não for, ficarei muito perplexo, porque essa foi a melhor onda que peguei em muito tempo”, ele finalizou a fala com um sorriso confiante e presunçoso após a bateria. Um pouco depois com a adrenalina mais sob controle, demostrando muita maturidade Barron fez a seguinte fala. “Eu cresci aqui, então sempre admirei John vendo ele surfar aqui, foi um grande momento para dividir uma bateria com ele e conseguir uma vitória, está sendo incrível. A próxima geração de surfistas, os jovens do tour, estão com fome de ganhar competições, e não temos medo de enfrentar esses nomes maiores. Acho que vai ser um ano muito bom”.

Campeão nos tubos, com um 10.00 perfeito, vencendo John John Florence na final, esse foi um dia e tanto para Barron Mamiya, agora ele chega extremamente solido em Sunset, onde venceu em 2022, com a autoconfiança de quem está no topo do ranking, vestindo a lycra amarela pela segunda vez na carreira. A expectativa em Sunset é de um swell grande, o que beneficia ainda mais o surfe de Barron, mas certamente, em Sunset, Filipe cuidará melhor da alimentação, John John chegará com muito mais sede de vitória, Ethan desfilará sua elegância com potência e perfeição, Gabriel vai querer tiro, porrada e sangue, Jordy terá paredes solidas para aplicar seus longos arcos, Robbo será sempre competitivo e Griffin terá mais chance de mostrar sua habitual impetuosidade. Definitivamente, ser o líder é um desafio maior que ser o coadjuvante em ascensão, vamos ver em qual papel Barron se sai melhor, a janela em Sunset já abre amanhã, todos os detalhes nos levam a crer que Sunset será ainda mais surpreendente do que Pipe, vamos ver se o joven Barron consegue manter sob controle a cobiçada lycra amarela.

Amanhã começa tudo novamente, até lá!







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