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O Dream Tour idealizado em 1998 virou uma realidade distante depois das mudanças promovidas pela WSL

Por: Marcos Aurélio Chagas.

Em 1998, o ex-campeão mundial Wayne Rabbit Bartholomew assumiu o comando da ASP, ele recebeu um Circuito Mundial respirando por oxigênio, a maioria das competições estavam sendo realizadas em centros urbanos, muitas vezes em ondas de qualidade ruim. O então hexa campeão mundial, Kelly Slater, havia perdido o interesse e abandonado o tour, um jovem promissor chamado Andy Irons aparecia para o mundo, enquanto isso a ASP se tornava alvo de revolta por parte de surfistas de todo o mundo, assim como acontece hoje com a WSL.

Wayne Rabbit Bartholomew - Foto: Divulgação

Bartholomew realizou uma bem-sucedida correção de rota, ao introduzir o conceito do "Dream Tour", uma fórmula que parecia enganosamente simples, mas que encarou desafios monstruosos de logística e estrutura para colocar os melhores surfistas do mundo nas melhores ondas do mundo.

Desde então, com participação fundamental de nosso saudoso Mano Ziul e toda sua ousada equipe, a tecnologia de transmissão evoluiu em uma velocidade vertiginosa, os centros urbanos com ondas duvidosas deram lugar a paraísos como G-Land, Teahupoo e Fiji, com uma audiência muito superior às praias lotadas, as transmissões pela web se tornou uma máquina bem lubrificada de trazer novos patrocinadores e novos fãs para o surf mundo afora, ela abriu as portas para que o surf fosse mais visto no conforto de seu lar, do que com os pés na areia. No entanto, 25 anos depois, parece que estamos de volta a 1998.

Com todo respeito aos esforços que a WSL faz para manter um circuito financeiramente caro, parece que de alguma forma, existe um erro de avaliação dos atuais administradores, que querem tornar o surf em um espetáculo midiático tal qual a NBA e NFL conseguiram fazer com seus esportes, esquecendo que, nem o basquete, tão pouco o Futebol Americano, dependem do fator natureza para o melhor desempenho de seus jogadores, sim a WSL está no caminho errado, vide, o calendário anunciado para 2024. Veja AQUI.

Apesar do triunfal retorno de Cloudbreak, erros como a manutenção de El Salvador, mesmo depois de dois anos decepcionantes, a manutenção de Bells, uma onda tradicional, mas que passa longe do conceito de ser “dos sonhos”, a ausência de ondas que raramente decepcionam, como J-Bay, atrelados a manutenção de um formato bastante questionável para definir o campeão mundial, em uma onda que, se quer teria espaço para ser uma etapa em um “circuito dos sonhos, traz 2024 de volta a 1998 e a WSL parece não ter percebido. O calendário está repleto de locais sem brilho com ondas muito aquém dos avanços das performances, o que torna cada vez mais difícil manter os fãs presos à frente da TV.

É para se questionar, porque não realizar um cronograma de um verdadeiro “Dream Tour”, colocando os melhores surfistas do mundo nas melhores ondas do mundo? Com pequenas mudanças isso seria possível, com inclusões de ondas como P-Pas na Micronésia, Safi em Marrocos, Cacimba do Padre em Fernando de Noronha, Lakey Peak, Sumbawa, Kandui e outras na Indonésia, abrindo mão de ondas como Bells, El Salvador, Trestles, Saquarema e até Peniche, tonaria o circuito realmente um circuito dos sonhos, espero que em 2025, exista novas ondas e nos tire do tédio de um circuito que está cada vez mais chato, graças ao excesso de poder que deram a um outsider chamado Erik Logan.


Erik Logan - Foto: WSL

Logan foi demitido impiedosamente da WSL durante a etapa de Saquarema, sem aviso prévio ou alguma explicação, um dia ele dava entrevista no webcast inglês, dizendo: ”Aqui estamos a promover uma compreensão mais profunda do belo esporte surf, dos negócios relacionados a ele e de seu poder para inspirar e nos conectar a todos” no dia seguinte "O poder de inspirar e conectar" simplesmente desapareceu, com um comunicado vindo da WSL dizendo: "Hoje, a World Surf League anunciou que o CEO Erik Logan deixou a empresa, com efeito imediato." E assim Logan desapareceu da face da terra, antes tarde do que nunca. Além de promover a total desconfiguração do já combalido “Dream Tour”, segundo o site australiano Beachgrit, Logan ainda constrangia e ameaçava Conner Coffin com certa frequência, na ocasião, representante dos atletas, isso porque Coffin verbalizava o desconforto dos surfistas em virtude das bruscas mudanças promovidas por Logan, em uma ligação telefônica Erik teria dito a Conner que “colocasse os surfistas na linha” caso o contrário ele o “arruinaria”. Se Logan teve o poder de arruinar Conner Coffin ninguém pode afirmar, mas é fato, depois de disputar o questionável WSL Finals em 2021, Conner caiu na temporada seguinte, no primeiro corte do meio da temporada, corte duramente criticado por Conner, que era a voz de seus colegas. Após a queda, Coffin perdeu seu patrocinador de longas datas, que coincidentemente era patrocinador do Finals Day, nesse enredo cheio de coincidências e verborragias, a imposição do corte, arruinou de fato a carreira de Conner, que recentemente anunciou sua aposentadoria das competições.

Voltando ao “Dream Tour”, nos resta dizer que é fácil criticar da arquibancada. Realizar um evento da WSL é um monstro de mais de US$ 3 milhões de dólares, sujeito às marés, ventos e patrocínios, além disso, há logísticas complexas, dores de cabeça com seguros e políticas regionais, mas se já foi feito antes, pode ser feito novamente. Na contramão do conceito do “Dream Tour”, o calendário de 2024 é uma coisinha chata e sem brilho, a Tracks fez algumas sugestões que poderiam substituir algumas etapas por outras localidades com melhores ondas naquele período, vejamos.

Janeiro - A localização do evento atual é Pipeline, a etapa poderia ser substituída por P-Pass, na Micronésia. P-Pass está longe de ser considerada uma onda acessível, mas ela não apresenta nenhum desafio que Teahupoo e Fiji já não ofereçam, P-Pass é uma direita com um tubo quase tão quadrado quanto Teahupoo, com a vantagem de proporcionar ainda grandes faces para o melhor da borda, depois que a seção de tubos é vencida. A onda é uma espécie de Teahupoo para direita com uma pitada de J-bay.


Fevereiro – Atualmente Sunset Beach é a estrela desse período, Sunset está longe de ser uma onda ruim, mas a ideia é que ela e Pipeline fossem as estrelas do “gran finale”, e não a entediante Trestles. Para substituir Sunset, a majestosa Safi seria uma grande opção, a onda fica a algumas horas ao sul de Casablanca em Marrocos, Safi é sem dúvidas um dos melhores pointbreak de direita do mundo.


Cacimba - Paulo Moura - Foto: Daniel Smorigo

Março – De dois anos para cá, Peniche que acontecia anteriormente em outubro, foi remanejada para março, neste período as competições apresentaram raros momentos de boas ondas, o que nos permite acreditar que Cacimba do Padre em Fernando de Noronha, seria uma opção bem melhor. Ao contrário da maior parte do litoral Brasil, que recebe ondulações do hemisfério sul, Noronha funciona melhor em março, quando as ondulações do Atlântico Norte bombardeiam a ilha, nessa época, filho chora e mãe não vê, a onda é faixa preta.


Cloudbreak - Gabriel Medina - Foto: Ed Sloane

Abril – Há que se perguntar, Bells pode ser incluída em um “Circuito dos Sonhos”? A tradicional, mas muitas vezes enfadonha Bells, há tempos vem deixando a desejar, o último bom mar que me lembro nesta parada foi em 2018, quando ítalo venceu sua primeira etapa surfando contra o maior gentleman que o surf conheceu, Mick Fanning. Mesmo com um roteiro onde se observava a ambiência do local, as condições do mar, a torcida, o patrocinador, o favoritismo, a despedida e a consagração de uma grande carreira, fatores que culminavam para uma grande vitória do tricampeão, Bells e Mick esqueceram de combinar o final feliz de todo esse enredo com Ítalo. O brasileiro venceu verticalizando e cortando os lips de uma Bells mais vertical e menos cheia, de lá para cá, Bells vem apresentando mares bem mais ou menos, essa onda poderia ser facilmente substituída por Cloudbreak, acredito que para essa substituição não precise de justificativas.


Kanduí - Foto: Divulgação

Junho - Punta Roca em El Salvador é uma onda muito divertida, já brinquei algumas vezes naquele parque, mas a verdade é que ela não é exatamente uma onda de CT, caberia sim um bom QS ou até mesmo um Challenger, lembro-me de ver Peterson Crisanto vencer um QS 6.000 por lá, em boas condições, tendo Josh Kerr como vice, mas as etapas de CT definitivamente não foram boas experiências, definitivamente, Kandui nas Mentawais, seria um local bem mais apropriado para essa época do ano.

Outubro – Hossengor na França, a região tem quatro picos bem definidos, La Sud, La Nord, La Gravière e Les Culs Nus, aquela região preenche todos os requisitos, belas praias, água limpa, ondas consistentes e bancos de areia que regularmente formam tubos longos e espaçosos. Lembro-me de um aéreo bizarro que Gabriel executou em uma bateria de goofys contra Owen e Wilko, além de John John, Jeremy e o próprio Gabriel entubando como se não houvesse amanhã.

Em novembro o circuito entraria em descanso, em dezembro a rainha Pipeline voltaria a finalizar o circuito, sim, finalizar em uma onda de consequência é necessário. Neste desenho Sunset voltaria ao Challenger e obviamente Margaret River (maio), J-Bay (agosto) e Teahupoo (setembro) continuariam na programação, Trestles e Saquarema (que daria lugar à Cacimba como etapa do Brasil) sairiam do calendário.

Com essas mudanças o tour voltaria a ser algo atrativo para assistir, a verdade é que o calendário e modelo colocado em pratica por Logan, vem cansando a audiência dos surfistas e sendo pouco atrativo para simpatizantes do esporte, O surf é um esporte que depende fortemente das condições do mar para ser emocionante, os longos períodos de espera no outside, unido a ausência de boas ondas diminui o nível das ações dentro d´agua, tornando o esporte monótono para os espectadores e mais difícil para que juízes coloquem em prática os critérios de julgamento, no entanto, é importante notar que os surfistas da elite são incrivelmente habilidosos e em um momento de inspiração podem surpreender a audiência, mas, se a WSL ajudasse com um calendário menos enfadonho, seria bem melhor.

Erik Logan agiu com o objetivo de deixar o circuito menos custoso para a ZoSea (dona da WSL), apenas com o corte, a ZoSea economiza aproximadamente $ 525.000,00 (quinhentos e vinte e cinco mil dólares) só de premiação, o desenho do circuito como está com as pernas havaiana e australiana, unida a manutenção de El Salvador, provavelmente amenizam grandes custos, as alterações talvez tenham sido necessárias para a ZoSea equilibrar as contas, mas olhando pelo lado do desempenho e atrativo para a audiência, chega a ser um crime. O Logan é o suspeito do crime perfeito, mas crimes perfeitos não deixam suspeitos, entendedores, entenderão.

A WSL assumiu muitos desafios e isso é admirável, no entanto, talvez fosse benéfico ponderar um pouco mais sobre os excessos de experimentações para minimizar os riscos do insucesso, chegou a hora de experimentar menos e trazer o “Dream Tour” de volta, o Rabbit poderia ser um sábio conselheiro, e Kelly, poderia ser ainda mais útil ao surf dirigindo essa máquina sem piloto, do que desfilando seu expressionismo abstrato dentro d´agua.

Tragam o “Dream Tour” de volta, e não 1998.




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