Por: Marcos Aurélio Chagas.
No mundo do surfe talvez o maior sinônimo de “pânico e terror” seja a palavra Teahupoo, no idioma local dos polinésios significa “crânio quebrado”, não ocasionalmente ou indiferente ao seu significado, essa onda, em uma simples queda, pode ser capaz de rachar a cabeça de um surfista ao meio, poucos surfistas no mundo desafiam essa força absurda da natureza, e alguns se dão mal, muito mal.

Em Teahupoo as ondas vêm das profundezas de uma fossa abissal e quebram sobre corais venenosos e pontiagudos, a súbita diferença de profundidade do mar que vai de 1400m à 1,5m em um curto espaço, provoca uma onda de anatomia única e peculiar, dando origem a tubos quadrados, pesados e monstruosos, que tornaram o local em um pico icônico. A dificuldade de leitura da onda que simplesmente surge a poucos metros de você, exige do surfista total atenção e máxima concentração, entender a onda, encaixar a remada e dropar a rainha do pacifico requer total integração entre o surfista e o oceano, poucos conseguem essa sintonia fina, a esses poucos, não seria injusto a denominação de mestres, contudo, na maioria das vezes, Teahupoo é um feroz campo de batalha entre o homem e a natureza, onde a tranquilidade da beleza natural existente no horizonte contrasta com a ferocidade e apetite das pesadas esquerdas, aos corajosos guerreiros que ousam enfrenta-la, resta a resignação de fazer sempre o melhor, más nem sempre o melhor é suficiente, Teahupoo requer perfeição, quando está nervosa ela cobra caro de seus desafiantes, a onda não é particularmente longa, mas é exigente e implacável, percorrer um tubo em Teahupoo é um sonho de muitos, sair de pé porém, é o prêmio de poucos.

Teahupoo não poupa ninguém, nem mesmo os locais, em 2000 o local Briece Taerea vacou em uma craca que beirava 12 pés, fraturou as costas e o pescoço, por conta disso, pagou ao Pacifico o preço mais alto, deu sua vida pelo sonho de sair em pé de um tubo. Recentemente, em condições mais amenas, os também locais Michel Bourez (ex-top da elite) e seu irmão mais novo Kevin, foram vítimas de sérios acidentes nos rasos corais da bancada, entre os brasilians kids, Jadson André viveu a experiência de estar dentro de uma máquina de lavar ao vacar, levar uma pancada e desmaiar, em 2001 Neco sofreu um dos piores acidentes registrados pelos brasileiros, ficou preso nos recifes e saiu resgatado, demorando anos para superar o trauma, Maya Gabeira já se acidentou ali duas vezes, porém, entre as mulheres a havaiana Keala Kennelly foi quem pagou o pior pedágio, a surfista de ondas grandes caiu dentro de um tubo em um dia normal de surfe em Teahupoo, surfando uma merreca, essa queda lhe custou 40 pontos no rosto, veja aqui como ficou o rosto de Keala, mas cuidado, a cena é forte. Em Teahupoo, quando a leitura é errada, o castigo é certo! No paraíso de uns, terror e pânico são os principais ingredientes nas cabeças de outros.
Reza a lenda que, Vetea David, primeiro surfista Polinésio a participar do circuito mundial começou a surfar pelos idos de 1978, contudo, apesar de ser pioneiro no tour, o privilégio de apresentar Teahupoo ao mundo não foi dele, foram os bodyboarders havaianos Mike Stewart (GOAT) e Bem Severson, que colocaram Teahupoo no mapa do surfe mundial, em meado dos anos 1980.

Em 1999 começaram as competições validas para a elite na mítica onda, o primeiro a vencer por lá foi a lenda Mark Occhilipo, como todo terror pode evoluir para a diversão, poderíamos dizer que Teahupoo é o parque de diversões dos bons goofys, embora seu maior vencedor seja um regular, o multicampeão Kelly Slater, com cinco vitórias (2000, 2003, 2005, 2011 e 2016), foram os goofys quem mais venceram em vinte e uma edições do evento, dentre eles dois brasileiros, Bruno Santos em 2008, que realizou a proeza de vencer vindo das triagens, usando todo seu talento moldado nas ondas de Itacoatiara e quebrando um jejum de seis anos sem vitórias brasileiras no WCT, o último triunfo verde e amarelo antes da vitória de Bruninho em Teahupoo havia sido em 2002, com Neco Padaratz em Hossegor, na França, fato que engrandece ainda mais a proeza que foi a vitória de Bruninho, o niteroiense venceu ainda, mais uma triagem em Teahupoo, em 2016, quando dedicou a vitória para Ricardinho dos Santos. O segundo tupiniquim a vencer na temida bancada foi o mais expressivo nome do surfe brasileiro de todos os tempos, Gabriel Medina.

Em 2014 o virtual campeão mundial deu um show de leitura, venceu a etapa surfando as intermediárias, mesmo assim eram bombas que oscilavam entre 10 a 12 pés, pesadas, intimidadoras e perfeitas, me chamou atenção ver em todo o evento um festival de vacas, contudo, Gabriel passou toda a competição sem cair, completou absolutamente todas as ondas que surfou, estava realmente conectado. A bateria final foi um encontro de gerações onde o jovem brasileiro enfrentava o maior vencedor do evento, não só isso, o maior vencedor da história do surfe, Kelly Slater, o GOAT parecia não acreditar que chegava mais uma vez à final daquela etapa, na ocasião, surfando o melhor Teahupoo da história, conforme ele mesmo disse em suas entrevistas pós bateria, antes da final ele declarou que poderia surfar aquelas ondas pelo resto da vida e ainda assim seria pouco, de tão perfeitas que as bombas se apresentavam, tive a impressão que na final o mar subiu ainda mais, nessa final inclusive, vi algo que jamais tinha visto, Kelly puxar o bico tendo a prioridade e Gabriel dropar, fazendo naquela onda seu maior score, embora restasse ainda muito tempo para o final da bateria, o estado psicológico de confiança que Gabriel entrou depois dessa “gentileza” do Careca, o fez duelar com o maior de todos os tempos, se colocando tão grande quanto Kelly, ao final, depois de show de surfe das duas partes, Gabriel sagrou-se campeão com apenas 0,03 pontos de vantagem sobre o mestre de todos os mestres. Kelly, então com 42 anos, declarou após a final ter gasto toda sua magia na semifinal contra o sempre intimidador John John, na época com 20 anos, eu particularmente não ví assim, só posso dizer que para mim não houve perdedores, o mundo do surfe assistiu a melhor competição em toda história, para Kelly, Gabriel, John John e Bede Durbidge, os quatro melhores, o pesadelo de alguns tornou-se combustível para diversão, são poucos os surfistas que podem realmente se divertir em Teahupoo, muito poucos. Saindo do ambiente da WSL, o havaiano Laird Hamilton alcançou o apogeu da carreira surfando a maior bomba já vista naquela bancada, que acabou sendo apelidada mundo à fora como “the millennium wave” ou, A Onda do Milênio.

Nenhuma onda se compara a Teahupoo quanto ao perigo e a forma, vendo esses poucos caras surfarem a temida bancada polinésia, temos a vil impressão de que aquilo parece ser fácil, mas o histórico de acidentes e depoimentos de uma minoria privilegiada que consegue surfar a temida onda, me faz acreditar que, ali, uns se divertem, outros pagam seus pecados.
Teahupoo sabe reconhecer quem é quem, não atoa entre seus vencedores existem seis campeões mundiais (Occy, Kelly, Andy, CJ, Mick e Gabriel), só os grandes são abençoados por Teahupoo, para ser campeão e adquirir respeito na comunidade do surfe, Teahupoo tem que ser resultado, não descarte.

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