De Tubarões a Aéreos: Connor O’Leary faz história depois de uma década de emoções épicas em Jeffreys Bay.
- Redação | Vision Surf |
- 20 de jul.
- 8 min de leitura
Por: Marcos Aurélio Chagas.
Jeffreys Bay com boas ondas é a melhor etapa para assistir, a onda tem face para diferentes abordagens e fundamentos, formações diferentes e velocidades diferentes. Quando o surfista sobe na prancha na seção de Supertubes e conclui a onda em The Point, certamente ele executou abordagens distintas, neste período ele surfou as seções de Impossibles, Salad Bowls, Coins e Tubes. Complicada e perfeitinha, para os surfistas regulares que surfam de frente para a onda, J-Bay já é um grande exercício de leitura, para os goofys, que surfam de costas, é um verdadeiro passeio exploratório, eles precisam encontrar a sintonia fina com o oceano para passar as baterias e chegar às finais, Connor O´Leary e Yago Dora encontraram.
Antes de falar sobre a primeira vitória do australiano com passaporte japonês, é preciso relembrar um dos episódios mais marcantes da história de J-Bay. Há exatos 10 anos, o mundo assistia, chocado, ao então tricampeão mundial Mick Fanning ser atacado por um tubarão branco durante a final contra Julian Wilson.
Mick estava tranquilo no lineup quando sentiu algo puxando sua perna. Ao perceber que era um tubarão, reagiu instintivamente e com muita coragem desferindo alguns socos no animal, que respondeu com uma forte lapada com a nadadeira caudal no rosto do surfista. Em seguida, o tubarão desapareceu sem deixar rastros, e o melhor, sem deixar Mick ferido. A final foi imediatamente encerrada, sem a definição de um vencedor, tanto Mick quanto Julian receberam a pontuação de vice-campeão. Esse episódio, somado ao icônico aéreo de Gabriel Medina em Pipeline contra o próprio Mick, teve influência direta no resultado da disputa pelo título mundial daquele ano.
Em 2017, outro predador se apresentava em J-Bay, alimentando-se de vítimas que pareciam indefesas. Esse predador não se movimentava por baixo d’água, e sim acima dela, voando em aéreos e rasgando as paredes de Jeffreys Bay com uma ferocidade técnica impressionante. O nome dele? Filipe Toledo.
O brasileiro entrou no lineup com fome de vitória, e, bateria após bateria, deixou claro que aquele era o seu território. Filipe provavelmente formatou sua mente no intuito de apagar tudo que ele já havia visto ali, para provavelmente escrever um novo manual de instruções de como abordar aquelas ondas de uma maneira que ninguém jamais havia se quer pensado em fazer. Em uma das performances mais dominantes já vistas em solo sul-africano, Filipe foi absoluto, na quarta fase, onde ninguém era eliminado, em um confronto conta Jordy Smith e Julian Wilson, Filipe Toledo parecia Senna alcançando a perfeição ao dirigir sua McLaren a 300Km por hora nas ruas estreitas de Mônaco, já seus adversários, pareciam minha amada mãe dirigindo seu Ford Fiesta a 40km por hora em avenidas de alta velocidade, sem nunca encaixar a quinta marcha.
Nesse confronto Filipe surfou aquela que seria a melhor onda da história de JBAY, ele mostrou ao mundo sem parecer esboçar nenhum esforço que nas direitas africanas além de muito base lip e muita borda, cabe sim o SUPRASUMO da progressividade, e que era possível unir esse fundamento aos demais, então Felipe adiantou mais uma vez a 300 por hora, aplicou dois aleyoops estratosféricos, finalizando a onda com mais seis manobras, variando rasgadas com troca de bordas perfeitas, a floaters e batidas com muita pressão, o que resultaria em seu segundo dez da competição. É IMPORTANTE, essa onda só valeu 10 porque pela regra não é possível pontuar 20 pontos. SEM MAIS.
Antes de Connor e Yago fazerem uma final entre goofys em J-bay, em 2019 Gabriel Medina e Ítalo Ferreira fizeram aquela que para mim foi a maior final já disputada naquela onda, em uma bateria icônica e muito significativa. Para chegar à final Ítalo enfileirou vitorias arrasadoras sobe os regulares Soli Bailey, Jack Freestone, Kelly Slater, Kanoa Igarashi e o mais temido surfista à época naquela onda, Filipe Toledo, que havia vencido sem dá nenhuma chance aos seus adversários em 2017 e 2018. Gabriel navegou por um caminho mais suave, se é que é possível. O tricampeão despachou Joan Duru, Griffin Colapinto, Ryan Callinan, Owen Wright e Kolohe Andino para chegar à final. Aquela final foi muito significativa para nós brasileiros, isso porque era a primeira final entre goofys e a primeira final entre brasileiros em J-Bay, a última vez que um goofy havia vencido ali tinha sido o touro indomável Mark Occhilupo, em 1984, derrotando o havaiano Hans Hedemann, na ocasião Occy tinha18 anos, aquela vitória marcou sua ascensão como uma das futuras lendas do surfe.
Apesar de estar surfando contra um bicampeão mundial na ocasião, Ítalo entrou na bateria como favorito em virtude de ter derrotado os dois melhores ali, Kelly e Filipe, uma outra variante entrava nessa conta, Medina era um dos maiores fregueses de Ítalo. A bateria começou e Ítalo abriu com 9.10, mas rapidamente Gabriel virou a situação, o champ surfou as duas melhores ondas já vistas por um goofy ali, somando 19.50, a maior soma de uma final em J-Bay desde que a regra passou a considerar apenas duas ondas.
Para deixar tudo ainda mais épico, as condições do mar estavam excepcionais, com séries quebrando entre 8 e 9 pés. Naquele dia, Medina não apenas quebrou a escrita contra Ítalo, ao sair da água deixando Ítalo em combinação, mesmo com o potiguar tendo surfado uma onda 9.10. Foi uma final memorável, com ondas pesadissimas, surfe de altíssimo nível e a primeira vitória de um goofy depois de 35 anos em Jeffreys Bay. Em 2022 a goofy Tatiana Weston-Web também venceu na mítica direita do indico.
Yago Dora tem uma sintonia fina com as direitas de Jeffreys Bay. Em 2022, ele conquistou ali o seu melhor resultado até então no Championship Tour, alcançando as semifinais com atuações consistentes e potentes, vencendo inclusive Connor O´Leary. Em todas as suas baterias, Yago somou notas superiores a 8.50, inclusive na semifinal contra Ethan Ewing, onde ele acabou sendo derrotado, com Ethan se tornando o campeão da etapa na bateria seguinte.
Connor O´Leary apesar de ter um back side afiado com ataques verticais, nunca foi um surfista expressivo em Jeffreys Bay, esse ano ele teve um caminho duro e de sucesso improvável, quem diria em sã consciência que O’Leary seria capaz de vencer Ítalo, Ethan e Filipe em J-Bay, no mesmo ano. Improvável, mas esse foi o tamanho do desafio de O´Leary para chegar à final. Tem dias que tudo funciona.

Gabriela Bryan conquistou sua terceira vitória da temporada ao triunfar em Jeffreys Bay, reforçando seu nome como uma das principais candidatas ao título mundial feminino de 2025. A havaiana superou a australiana Molly Picklum, atual líder do ranking, em uma final extremamente equilibrada, decidida por apenas 0,26 pontos — 13.60 contra 13.34.
Foi um verdadeiro duelo de estilos e abordagens. Molly esculpia as ondas com sua fluidez hipnotizante, enquanto Gabriela retalhava cada seção com a força bruta de seu surfe poderoso. Duas gladiadoras modernas, com abordagens distintas, mas igualmente perigosas por natureza.

Molly começou melhor, abrindo a bateria com a melhor nota da final, um 7.67, no entanto, faltou uma segunda onda à altura para garantir a virada. Gabriela, por outro lado, foi precisa, somou 6.67 e 6.93, o suficiente para ultrapassar a australiana e garantir a vitória em J-Bay. “Tem sido um sonho ganhar aqui. Vim mais cedo, treinei muito e sinto que tudo valeu a pena. J-Bay é uma das minhas ondas favoritas, é incrível poder ir a Fiji para lutar pelo título”, afirmou Bryan, que garantiu lugar nas WSL Final.
Apesar do revés, Molly Picklum segue demonstrando uma consistência impressionante ao longo da temporada. Mesmo com apenas uma vitória até agora, ela mantém a liderança do ranking à frente de Gabriela, que, mesmo com três vitórias, ocupa a segunda colocação. Um lembrete de que, no surfe de alto nível, a regularidade ainda vale tanto quanto a glória das vitórias.
As semifinais masculinas entraram na água com Yago Dora e Griffin Colapinto fazendo um confronto de altíssimo nível técnico. Ambos são surfistas completos, capazes de executar com excelência todos os fundamentos do surfe moderno. Mas em Jeffreys Bay, alguns detalhes fazem a diferença - Griffin explorou a borda com maestria, enquanto Yago apostou na verticalidade, um fundamento que, nas condições grandes daquela semifinal, com ondas pesadas e potentes, era mais bem avaliado pelos juízes.

Griffin poderia, em tese, ter uma leve vantagem por ser regular e surfar J-Bay de frente, com uma linha mais aplicável naquela direita clássica. Mas não se pode cravar favoritismo quando do outro lado da bateria está Yago Dora. Desde sua primeira semifinal em Jeffreys, em 2022, parece que Yago foi "mordido pelo bichinho da competição", e isso, definitivamente, não é boa notícia para nenhum adversário.
Com um estilo refinado, aura low profile, inteligência emocional e surfe com cara de campeão mundial, vencer Yago em uma semifinal, mesmo ele surfando de backside, não é uma tarefa simples, nem mesmo para Griffin, que carrega a descontração como marca registrada — um traço que se reflete no surfe sólido, confiante e técnico que Griffin apresenta em todas as etapas.
Ao final da bateria, o americano precisava de 8.76 para virar. Ele entrou em uma onda pequena, sem muito potencial, aplicou boas manobras de borda e encontrou até um tubo longo. Ainda assim, sua nota ficou em 8.33. A diferença foi mínima, mas suficiente para que Yago avançasse para mais uma final na temporada, consolidando sua fase iluminada no tour.
Na bateria seguinte, Connor O’Leary enfrentava seu maior desafio na competição, derrotar o tricampeão da etapa e atual defensor do título, Filipe Toledo. Connor vinha surfando o campeonato inteiro sem alarde, sem promessas, apenas entregando resultados. Ainda que poucos acreditassem em uma vitória sobre o favorito, o australiano com sangue japonês respondeu com uma performance memorável. Em uma onda que teve início, meio e fim, Connor dropou despretensioso e abriu os trabalhos com duas rasgadas, colocou no trilho, entrou em um tubo deep, saiu limpo, desferiu mais algumas pancadas agressivas no olho da onda (se é que isso existe), mostrando um arsenal de manobras perfeitamente conectadas para conquistar o primeiro 10.00 da sua carreira, uma nota que refletiu a precisão e a entrega em cada manobra. Naquele momento, o improvável virou realidade. Quebrando a lógica das previsões e 99% dos fantasys mundo afora, Connor O´Leary superou Filipe Toledo, o gigante de J-Bay e do tour, avançando para a primeira final de sua carreira depois de sete temporadas na elite do surfe mundial.
Na segunda final 100% goofy da história de J-Bay, ficou claro mais uma vez que a persistência e a estratégia podem vencer o favoritismo. Em uma bancada tradicionalmente dominada pelos regulares, Yago Dora e Connor O´Leary travaram um duelo de alto nível que ficou aberto até os segundos finais, quando Yago, que precisava de 8.44, surfou uma última onda a apenas 20 segundos do fim. Neste momento, o mundo do surfe esperava algo espetacular do brasileiro, mas a onda não ofereceu parte crítica, tubos ou rampas para que Yago pudesse reverter o cenário. Assim, coube a Connor O’Leary levantar os braços, encerrando uma longa espera por sua primeira vitória no CT, provando que, mesmo em um palco onde os favoritos reinam, há sempre espaço para quem trabalha e acredita até o fim.

Ao vencer Yago, Connor finalmente transformou o trabalho de muitos anos em glória, vencendo uma etapa pela primeira vez, diante do líder do tour. Com a vitória, O’Leary subiu para a 11ª posição do ranking, enquanto Yago consolidou sua regularidade e assumiu a liderança com quase 4 mil pontos de vantagem sobre Jordy Smith.
Em Teahupoo, Yago vestirá pela primeira vez a tão sonhada lycra amarela, carregando consigo não apenas o favoritismo, mas também a pressão e a responsabilidade de quem agora mira diretamente o título mundial.
Nos vemos em Teahupoo.

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