Jordy faz as pazes com a vitória em El Salvador e ao lado de McGillivray proporciona um dia histórico para o surfe sul-africano - Gabriela Bryan vence no feminino.
- Redação | Vision Surf |
- 13 de abr.
- 10 min de leitura
Por: Marcos Aurélio Chagas.
Confesso que nos últimos tempos ando meio sem inspiração para escrever sobre surfe, em Portugal, apesar da vitória de Yago, o evento foi horroroso, nenhum dia de boas ondas, o que me limita bastante sobre a capacidade de ler o evento, e se é para ler boletins de acessória de imprensa, não é aqui na Vision que você fará isso, aqui a leitura é exclusiva, leve, embasada e as vezes técnica, mas sobre tudo, inspirada pelos acontecimentos dos eventos, por isso, foi impossível escrever sobre Portugal. Em El Salvador, a inconsistência do mar tem sido uma constante desde que a WSL fundeou naquela bancada, o que é uma fatalidade, já que La Libertad é uma região que de regra quebra ondas bem melhores do que a WSL consegue mostrar em sua azarada janela. Apesar disso, e da participação discreta dos brasileiros, El Salvador deu uma acordada na inspiração que estava embernada.

Antes de aportar no dia final, foi bom ver os estreantes destruírem alguns gigantes no R32, Alan Cleland e George Pittar nocautearam Filipe Toledo e Jack Robinson, além de Marco Mignot eliminar o Rio Waida, um surfista que vem crescendo a cada etapa. Antes que me entendam mal, não gosto de ver brasileiro perder, contudo, observando pela vertente competitiva, fica claro que a renovação não é tão ruim como parecia. Quem apostaria antes das baterias que Cleland e Pittar venceriam Toledo e Robbo em um point break de direita? Isso traz um novo olhar sobre a competição.
Ainda neste mesmo round, surgiu uma daquelas situações bizarras criada por uma regra sem objetivo nenhum, algo tão inútil como um obstáculo aleatório no caminho da lógica, uma diretriz tão desnecessária quanto inócua, algo sem nenhuma capacidade de ajudar a melhorar aquilo que já existe, apenas de prejudicar. Dentro desse contexto, Kanoa Igarashi vencia Crosby Colapinto faltando cinco segundos para o final da bateria, com a prioridade nas mãos e um pouco mais abaixo no line up, Kanoa viu Crosby entrar em uma onda que aparentemente não tinha potencial para lhe render os 4.63 que ele precisava, mas institivamente Kanoa entrou na onda, já que tinha a prioridade, contudo, um segundo antes de Kanoa tirar as mãos da borda e ficar em pé na prancha a sirene tocou e Kanoa foi penalizado com uma interferência, que coisa bizarra. Isso aconteceu simplesmente porque a WSL criou uma regra que diz que nenhum surfista pode ficar em pé na onda depois que a sirene tocar, sob pena de interferência. Como Crosby ficou em pé coisa de dois ou tres segundos antes, a onda para ele valia, mas para Kanoa, frações de segundos tirou dele o direito de proteger sua liderança e vitória, levando ele a cometer interferência mesmo tendo a prioridade, fato que consequentemente levou Kanoa a derrota. Nunca imaginei que um dia pudesse ver alguém cometer interferência tendo a prioridade nas mãos, só resta parabenizar a genialidade da WSL.

Outro fato lamentável aconteceu com o Alejo Muniz, o brasileiro surfava contra Cole Houshmand, no final da bateria o regular dropou uma onda com bom tamanho, iniciou seu ataque com uma pancada no lip despencando na volta, na sequencia soltou uma de suas rasgadas sempre com muita força no pé de trás, para completar a onda com mais algumas rasgadas alongadas, finalizando no lip novamente, uma onda com início, meio e fim. Alejo precisava de 7.34 para virar a bateria, nitidamente aquela onda estava dentro desta pontuação, contudo, o excesso demasiado de tempo para liberarem a nota, alimentou suspeitas de manipulação de resultado, que por sua vez alimentam teorias conspiratórias, dentro deste contexto, Alejo foi recompensado com uma nota que parecia razoável para a onda, mas que não dava ao brasileiro a virada, pontuaram Alejo com 7.33, o suficiente para empatar no placar com Cole Houshmand, somando exatos 14.33, contudo, como Cole tinha a maior nota individual 8.50, o americano levou a bateria e Alejo saiu P da vida da água. Já vimos isso muitíssimas vezes na WSL e certamente essa não será a última, porque a subjetividade é uma realidade nos critérios de julgamento, acho que chegou a hora de experimentar IA para julgamento de surfe, talvez assim, a subjetividade deixe de existir e os resultados sejam mais justos.

O Brasil chegou às quartas de final com três representantes na água: os goofies Yago Dora, Ítalo Ferreira e Miguel Pupo. No entanto, todos foram eliminados nesta fase. Yago perdeu para Matthew McGillivray, ítalo foi superado por Jordy Smith, e Miguel acabou derrotado por Cole Houshmand — que, na bateria, nem precisou recorrer à ajuda do centro técnico. A verdade é que nenhum dos brasileiros surfou o suficiente para avançar, e as semifinais aconteceram sem a presença de atletas do Brasil na água.

O dia final começou com boas ondas e Caitin Simmers, a estrela máxima da categoria feminina na água, a americana fez uma onda dentro do critério bom, mas não conseguiu uma boa backup wave, já Gabriel Brian, apesar de receber notas menores que a melhor nota de Caitlin, foi mais regular, vencendo Simmers com duas notas orbitando na casa dos cinco pontos. Na bateria seguinte, Molly Pincklum abriu a bateria de 40 minutos faltando 37 para o final, anotou nesta onda 6.67, mas casou com a prioridade em um mar que as series demoravam uma eternidade, ela viu sua adversária Isabella Nichols pegar duas ondas, uma lhe rendeu 7.83, a outra 5.50, essa última Nichols pegou sob a prioridade de Molly e mais abaixo no lineup, já que na posição em que Molly estava, era difícil entrar nas ondas, caso não fosse realmente uma serie bem encaixada na bancada. Nichols venceu Molly no surfe e na leitura do mar.

Quando as semifinais masculinas começaram, existiam dois surfistas americanos Crosby e Cole, e dois surfistas sul-africanos, Jordy e Matthew, Crosby enfrentou Matthew e Cole enfrentou Jordy, com esse desenho havia a possibilidade de uma final 100% americana ou 100% sul-africana, ou talvez até uma final mista, mas se acontecesse dos dois sul-africanos avançarem, seria a primeira vez que veríamos uma final sul-africana dentro do tour. Matthew que já havia vencido Griffin nesta competição, não se intimidou com o Colapinto mais novo, o sul-africano fez uma das ondas mais bem surfadas do dia logo em sua primeira onda, recebendo 8.17, se mantendo na liderança desde o primeiro memento, Crosby, assim como Molly também casou com a prioridade, no final da bateria até conseguiu uma onda que lhe traria de volta ao jogo, nesta onda ele encontrou três tubos, mas nada que parecesse os três tubos que seu irmão Griffin havia encontrado em Kirra na primeira etapa que ele surfou na elite, lá no longínquo 2018, naquela ocasião Griffin recebeu um 10.00 perfeito – Os tubos de Crosby foram em uma onda sem o peso de Kirra, sem a velocidade de Kirra e sem a profundidade de Kirra, o que rendeu ao outro Colapinto apenas 7.67, uma nota bem abaixo do que ele precisava para virar, apesar de voltar para o jogo, Crosby não tinha mais tempo para surfar uma outra onda, e assim Matthew avançou para sua primeira final na elite, aguardando seu adversário sair da bateria seguinte. Espero que os americanos não tenham colocado essa nota do Crosby na conta da subjetividade.

Na bateria seguinte, o duelo começou com ondas espelhadas e pontuações iniciais idênticas. O confronto entre Jordy e Cole ecoou o duelo anterior: assim como Matthew, Jordy iniciou com 8.17. Surfando com tranquilidade, ele dominou a bateria e deixou Cole em combinação, escrevendo com essa vitória um capítulo histórico no tour, a primeira final 100% sul-africana.

Quando a final feminina entrou na água, o mar já estava mais deteriorado, contudo, Gabriela Bryan e Isabella Nichols se movimentaram bastante no outside surfando muitas ondas, elas se alternaram na liderança, mas na última onda, o power surf de Gabriela, que muitas vezes me faz lembrar de Gary “Kong” Elkerton, consolidou sua vitória sobre a australiana Isabella Nichols, garantindo não apenas o título da etapa, mas também mostrando que sua potência e consistência nos mais diferentes tipos de onda, a colocam entre as grandes forças do surfe feminino mundial.

A África do Sul tem uma história rica no surfe competitivo, vários surfistas do país deixaram sua marca no Championship Tour. Shaun Tomson, um dos maiores ícones do surfe mundial, começou a história daquele país no esporte, Shaun foi campeão mundial em 1977, fez parte da geração lendária de surfe dos anos 70 ao lado de nomes como Mark Richards, Wayne “Rabbit” Bartholomew, Peter Townend e outros, Shaun encantou o mundo com seu estilo fluido e suas performances sempre solidas em todos os tipos de onda. Anos depois, um inglês de nascença chamado Martin Potter, chegou no colo dos pais em Durban na África do Sul aos dois anos de idade, ele começou a surfar com 10 anos e desenvolveu todo seu talento para o surfe nas linhas sul-africanas, um cara que tinha uma abordagem à frente do seu tempo, que era incompreendido pelo julgamento, um dos maiores nomes do surfe de todos os tempos, que se tornou campeão mundial em 1989. Podemos dizer que Pottz nasceu na Inglaterra, mas seu surfe nasceu, se criou, evoluiu e é incontestavelmente da África do Sul. Outros nomes como Travis Logie e Michael February também representaram a África do Sul no tour, Travis competiu por quase uma década no CT, era um surfista conhecido por sua velocidade, ataques explosivos às junções, centro de gravidade baixo e regularidade. Me lembro de ter visto da areia, Travis vencer Gabriel Medina dando um nó competitivo em Gabriel no Billabong Pro de 2014 no Postinho. Com o tempo da bateria chegando ao fim, Gabriel aparecia com larga vantagem no placar e com a prioridade nas mãos, deixando o sul-africano com a necessidade de um high score. Inteligentemente Travis em menos de um minuto pagou duas esquerdas seguidas sem nenhum potencial, apenas para se afastar e se livrar da marcação de Gabriel, o sul-africano precisava de 9.00 para virar a bateria, já bem distante da marcação, sem a prioridade, Travis surfou a terceira esquerda no soar da sirene que lhe rendeu 9.50, eliminando Gabriel para perplexidade de todos, foi uma atuação que absolutamente ninguém esperava, foi também educativo para o surfista que ao final daquele ano se tornaria o primeiro campeão mundial brasileiro. Micahel February surfou o CT em 2018, contudo February não se entendia com o conceito de duas ondas boas em trinta minutos, não que ele não conseguisse surfar duas ondas boas em trinta minutos, e sim porque seu conceito de onda boa passava distante dos critérios de julgamento, seu espirito era de um artista das ondas, não de um competidor, com seu estilo elegante e um toque artístico na abordagem, February tinha uma forte influência do soul surfing, mas essa característica acabou não sendo suficiente para February se dar bem no tour, seu melhor resultado naquele ano foi um 5º lugar em Teahupoo, hoje, os vídeos de February viralizam nas redes com seu surfe sempre moderno e estiloso. Além deles, Rosy Hodge e Bianca Buitendag também representaram muito bem a África do Sul no circuito mundial, com todos esses e outros surfistas, a África do Sul por algum tempo foi considerada a terceira força do surfe mundial, algo impensável hoje em dia.

Quando Jordy Smith entrou no tour, lá pelos idos de 2008, o mundo tinha certeza que Jordy seria o próximo sul-africano campeão mundial, mas essa percepção dava um certo conforto a Smith, quando as gerações anteriores a dele começou a diminuir o ritmo, ele percebia que sua hora estava chegando, contudo Jordy se viu atropelado por dois jovens com mais talento e mais desejo de vencer do que ele. Gabriel Medina e John John impuseram não somente a Jordy, mas também a Owen e Julian outros surfistas considerados futuros campeões, os papeis de coadjuvantes.
Ontem, com a maturidade de ser o mais velho surfista do Championship Tour e saber que estava escrevendo um capítulo importante da história do surfe ao fazer a primeira final 100% sul-africana no tour, Jordy Smith não se permitiu ser o coadjuvante dessa fábula que trazia como seu adversário um garoto bem mais jovem, que na verdade carregará sozinho a bandeira da África do Sul em breve, seu sucessor Matthew McGillivray.
A bateria final começou com o mar completamente inconsistente, no papel e na água, foi um confronto intrigante, o surf aguerrido e muitas vezes explosivo de Matthew não se confunde com a elegância e a fluidez de Jordy, mas Matthew tem rasgadas potentes e jogou tudo para chegar a essa final, ele exterminou os irmãos Colapinto e venceu Yago Dora, um dos favoritos para vencer o evento, certamente ele chegou muito confiante na final, mas do outro lado tinha Jordy Smith, o decano da elite, que aos 37 anos vinha de um jejum de longos anos sem vencer uma etapa do tour, sua última vitória havia sido em Bells Beach em 2017, onde ele venceu o inspirado Caio Ibelli.

Smith impôs-se ao compatriota Matthew McGillivray, ele abriu a disputa com um confortante 7.33 a melhor nota do confronto e uma nota bastante expressiva para as condições daquele momento, McGillivray não conseguiu encontrar uma onda que lhe possibilitasse responder a primeira nota de Jordy, as condições realmente se deterioraram e a bateria com poucas ondas surfadas terminou com um score de 14.26 para Jordy contra 9.33 para Matthew, que fez sua primeira final na elite testemunhando de dentro da água a sétima vitória de seu compatriota Jordy Smith, que quebrara um jejum de oito anos sem vencer.
Após o toque da buzina, Jordy Smith não escondeu a emoção, em pleno lineup o gigante saltou para os braços de Matthew como quem agradecia ao compatriota por tornar aquele dia especial e histórico para os sul-africanos, disse Jordy: “Acho que, só para a África do Sul em geral, isso significa muito. Para ser sincero, não consigo acreditar”, emocionado ele continuou, “Se eu pudesse dedicaria isso a duas pessoas. Minha esposa e todos os maridos e esposas que nos deixam fazer isso, significa o mundo para mim. E para o meu pai. Eu queria surfar com a prancha do meu pai nesta final e vencer, e fazer isso foi incrível”.
Com essa vitória, Jordy não apenas encerrou um longo jejum, mas reafirmou seu legado como um dos maiores nomes do surfe sul-africano. O título, carregado de simbolismo e emoção, foi celebrado com gratidão — um momento que transcendeu a competição, unindo gerações em torno de um feito histórico. Desde os pioneiros como Shaun Tomson até os jovens grommets que sonham em seguir seu caminho, toda a África do Sul jamais esquecerá o dia em que El Salvador se tornou palco dessa conquista inesquecível para aquele país.
O surf volta em Bells a semana que vem, quem conseguir administrar melhor o Jet Lag terá grandes chances de vencer.
Até Bells, ou não.

Comments