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Griffin vence em Portugal pela 2ª vez e Gabriel se reencontra com seu bom surfe.

Atualizado: 16 de mar.

Por: Marcos Aurélio Chagas.


Contam que nas profundezas das mentes vencedoras existe a percepção perfeita sobre a encruzilhada de seus destinos, são nestes momentos que a verdadeira essência de superação se revela. Depois de uma surpreendente perna havaiana sem brilho, Gabriel Medina que estava em posição de risco para cair na navalha do famigerado corte, voltou a se encontrar com ele mesmo em Portugal, e quando Gabriel se encontra com ele mesmo, minimamente, uma semifinal está em seu caminho, foi o que aconteceu hoje.

 


É reservado a Portugal o direito de ser rebelde e apresentar aos competidores diversos mares diferentes dentro da mesma janela, vem sendo assim desde sempre, o vento e a instabilidade proporcionada pelos beach breaks exige dos surfistas adaptações e abordagens mais criativas para quebrar o tédio da merrecaria. O marroquino Ramzi Boukhiam lidou bem com isso mostrando ao mundo que seu nível é de fato de CT, ele se adaptou as diferentes condições surfando muito bem direitas e esquerdas, Ramzi veio em uma crescente atingindo sua melhor apresentação contra o mago Yago Dora, o brasileiro não se encontrou na bateria, mas ainda que apresentasse seu melhor, o marroquino seria um adversário duríssimo, Ramzi  apostou nas direitas, abusando da verticalidade e de toda potência de suas manobras explosivas, lapidadas em Safi, o marroquino só caiu nas quartas de final diante do atual vice-campeão mundial Ethan Ewing, em um momento em que o mar estava pouco convidativo para o perfil de seu surfe, aliás, para o surfe do Ethan também, mas o australiano é o tipo de surfista que se encontrar uma pequena parede qualquer, inventa um manobrão colocando sua borda milimetricamente onde a onda pede, invertendo a direção e desgarrando as quilhas, esse é o jogo do Ethan, ele achou uma direita que encaixasse em seu surfe, Ramzi não.



Ítalo tem um histórico de vencer em Portugal usando o recurso dos aéreos estratosféricos como manobra única na maioria de suas ondas, geralmente, esse recurso lhe dá as duas notas necessárias para passar baterias, ele venceu em Portugal duas vezes assim e ainda fez uma final no seu primeiro ano no tour onde o então rookie elevou o patamar dos aéreos contra Filipe Toledo, este ano, esse recurso foi suficiente para ele vencer McGillivray no Round32, mas não para encarar Ethan no Round16.


Ítalo Ferreira - Foto: Damien Poullenot

A bateria contra Ethan poderia ter tido um resultado diferente, Ítalo seguia pilhado pelas esquerdas buscando sempre as rampas que lhe lançasse aos ares, enquanto Ewing se mantinha pelas direitas retalhando as ondas como lhe é de costume, se Ítalo tivesse introduzido um pouco de variedade e liberado os golpes potentes de back side que todos nós conhecemos, a bateria poderia ter tido um resultado diferente. Ítalo apostou nas esquerdas para voar, ignorando as direitas perfeitamente manobráveis, melhor para Ethan que se manteve fiel a sua linha paradoxalmente power e suave, mantendo-se no fluxo necessário para desconectar toda eletricidade embutida nas apresentações de Ítalo.


John John - Foto: Damien Poullenot

Quando John John Florence saiu da bateria nas oitavas de final sua posição de líder estava ameaçada, Jake Marshall, alguém que garantiu sua vaga na elite ao fazer final no Challenger de Portugal do ano passado, já havia provado ter sintonia com aquele litoral, John John parecia não perceber o risco, perceptivelmente ele poderia fazer um pouco mais, o havaiano parecia surfar tranquilo e despreocupado, ele vencia a bateria até os 10 minutos finais, mas Marshall, que chegou em Portugal na 11ª posição do ranking, parecia ter mais ambições que o líder, o californiano teve força mental suficiente para não se impressionar com a lycra amarela e os dois títulos que John John carrega consigo, sem muito esforço, Marshall reverteu o resultado nos minutos finais, deixando a porta da liderança aberta para Jack Robinson, Ethan Ewing e Griffin Colapinto.


Gabriel Medina - Foto: Damien Poullenot

Jack Robinson chegou em Portugal como vencedor de Sunset e vice-campeão em Portugal no ano passado, dos surfistas atuais do tour Jack é o único que assume abertamente que esse momento é o momento dele, da nova geração, algum tempo atrás ele declarou que Gabriel, John John, Ítalo e etc; já haviam ganhado bastante e que agora era hora da nova geração vencer, com essa força mental, muitas vezes superior ao potencial de seu surfe quando o assunto é surfe de manobras, Jack entrou na 5ª bateria do Round16 com uma expressão corporal que denunciava a confiança de quem desempataria seu o resultado individual contra Gabriel Medina, eles tinham seis baterias disputadas com três vitórias para cada lado, apesar da vitória de Jack em G-Land em 2022 ser absolutamente contestável. Com cinco minutos de bateria Gabriel já tinha colocado Robbo em uma combinação improvável, após uma temporada havaiana para esquecer e duas rodadas surfando abaixo de seu habitual, Gabriel encontrou no excesso de confiança de Jack o elemento perfeito para reencontrar seu impermeável tipo de surfe, o brasileiro fez aquela que veio a ser a melhor onda do evento até aquele momento, com um full rotation de saída combinando com uma batida desgarrando as quilhas e um layback para finalizar a esquerda, Gabe executou um combo de comprometimento, progressividade e variação que resultou em 9,33 pontos, inegavelmente a melhor onda da competição até então, Robbo parecia tão estupefato, que sua melhor onda não alcançou o patamar de 5,00 pontos, completamente absorto, Jack saia do mar com o placar de 4x3 a favor de Gabriel.



Alguns dias depois chegamos ao final day, Gabriel entrava novamente no mar para enfrentar o italiano Leonardo Fiovaranti, o carcamano vinha de uma apresentação maiúscula contra seu amigo de longuíssimas datas Kanoa Igarashi, embora aparentasse um pouco de nervosismo, com um surfe ciscado e um notório esforço para imprimir velocidade, Fioravanti fez uma boa bateria, contudo, o nível de surfe que Gabriel apresentou neste confronto beirou a perfeição. De 20,00 pontos possíveis Gabriel atingiu 18,00, intratável, Gabe cravou 9,00 pontos em duas ondas completamente diferentes, na primeira Gabriel foi para a direita, saiu com um aéreo rodando, para verticalizar em uma batida na sequencia e aplicar algumas rasgadas, até concluir com fundo de prancha na junção, fazendo aquele tipo de onda com começo meio e fim, não deixando margem para qualquer interpretação subjetiva. Na segunda onda, já no minuto final, o tricampeão optou pela esquerda, aplicou uma rasgada forte empurrando o pé de trás, essa manobra foi tão rápida que se quer percebemos que ele inverteu a direção, em um movimento único ele já fez o link para agredir o lip com uma batida desgarrando as quilhas e na sequencia uma rasgada invertendo a direção, Gabriel fez tudo isso apenas linkando uma manobra na outra, sem pedalar ou fazer qualquer esforço aparente para colocar potência nas manobras, ele ainda finalizou essa onda com uma manobra pouco usual, uma batida360 praticamente cravando as quilhas na areia, Gabriel saia do mar gigante, com aquele que veio a ser o maior somatório do evento.


Crosby Colapinto - Foto: Damien Poullenot

Os Colapinto chegaram às semifinais em lados opostos da chave, apesar de virem fazendo boas apresentações, eles passavam baterias de maneira discreta, quando Crosby entrou na água para enfrentar Ethan Ewing na primeira semifinal, nos demos conta de que existia a possibilidade de uma final entre irmãos, o que tinha acontecido pela última vez na França, em 2004, se minha memória não estiver falhando, naquela ocasião Andy fez a mala de seu irmão Bruce Irons sem nenhum tipo de dó, hoje, a historia foi diferente,  Crosby até foi consistente, mas era Ethan quem tinha o domínio da bateria, o vice campeão mundial não deu chances ao Crosby, acabando com as especulações de uma final entre irmãos.


Griffin Colapinto - Foto: Damien Poullenot

Na bateria seguinte todas as expectativas estavam sobre o tricampeão Gabriel Medina, o surfista mais dominante da última década vinha da melhor apresentação da competição, apesar receber duas notas condizentes com suas ondas, Gabriel ruiu diante de um Griffin surfando até bem, mas aquele um pontinho a mais contido no 7,83 do americano, causado pela subjetividade do surfe, foi determinante no resultado da bateria, surfando abaixo das expectativas Gabriel anotou 14,94 pontos, enquanto Griffin surfando dentro das expectativas anotou 15,50 pontos. Não podemos dizer que houve erro deliberado, mas podemos sim dizer que a subjetividade deu a vitória ao americano na 2ª semifinal. Independente de subjetividade, para mim tem ficado cada vez mais claro nesses últimos confrontos, que Griffin descobriu o atalho para encarar Gabriel de peito aberto, quando Griffin surfa contra o tricampeão, vem em minha mente o comportamento que o Julian tinha quando encontrava o brasileiro, e isso parece um tanto perigoso, porque Julian era o único que conseguia entrar na mente de Gabriel. Apesar da derrota, Medina saiu da incomoda 26ª para a 15ª posição, se colocando acima da linha de corte, isso já nos deixa bem mais tranquilos.


Johanne Defay - Foto: Damien Poullenot

Quando Johanne Defay e Tyler Wright entraram na água para fazer a final feminina, foi impossível não comparar com as finais dos dois eventos anteriores, apesar da nova geração feminina não ter ido bem em Portugal, ficou perceptível o abismo existente no nível das apresentações das competições anteriores para a apresentação de hoje, apesar de Tyler ser bicampeã mundial e Johanne ser extremamente competitiva, nem de longe elas apresentaram um surfe digno daquilo que vimos nos eventos anteriores. Usando o ponto forte de seu surfe, a francesa Johanne Defay venceu Tyler em uma bateria pouco empolgante, com essa vitória, Johanne assume a vice-liderança do ranking, sendo a única surfista com mais de 22 anos entre as cinco primeiras.    

Antes de falar da final é preciso lembrar de algumas ausências, a primeira delas é a ausência das vitorias no atual momento de John John, o havaiano chegou líder em Portugal, mas com a derrota precoce, ele viu Griffin e Ethan ultrapassarem ele no ranking, a última vitória de John John no tour foi em Pipeline 2020, valendo para o ranking de 2021, lá se vão três anos e alguns meses.


Kelly Slater em Kirra - Foto: Andrew Shield

A  segunda ausência atende pelo nome de Kelly Slater. O GOAT desistiu do evento de Portugal alegando dores no quadril, em tese, devido a uma cirurgia, mas, apesar de estar debilitado para competir, Kelly foi para Austrália sufar um swell perfeito que encostou na Gold Coast, ele surfou Kirra com ondas perfeitas, há muito tempo não víamos nada parecido com esse nível de onda na Gold Coast. Ele está errado?  

É seguro dizer que Kelly Slater não precisa do tour, como também é seguro dizer que ele não reúne mais as mínimas condições de ganhar um título mundial, não adianta tentar torturar a verdade porque ela se impõe, Kelly já caiu duas vezes, então, porque insistir em um tour onde ele exibe pouca competitividade para caras 30 anos mais novos que ele, surfando quando quer, recebendo wildcard, tirando vaga de surfistas mais jovens e mais comprometidos? Simples! Isso acontece porque a WSL jamais dirá NÃO a Kelly, e ele sabe disso. Com a previsão da janela de Portugal em mãos, Kelly simplesmente disse: Adeus Portugal, olá perfeição! Na foto de Andrew Shield você entende porque Slater desistiu de Portugal. Em seu Instagram Strider comentou: “Kelly está onde merece estar”, particularmente eu concordo com Strider, mas acredito que seria mais justo se o GOAT fizesse isso sem precisar inventar desculpas esfarrapadas para se ausentar de competições com ondas ruins, e essa não foi a primeira vez.



Voltando MEO Rip Curl Pro Portugal, a final masculina entrou na água com o americano Griffin Colapinto enfrentando australiano Ethan Ewing, surfista que acabou com o sonho do americano e dos americanos em ver os Estados Unidos voltar a vencer um título mundial novamente, Ethan escovou Griffin no WSL Finals, destruindo em meia hora um sonho cultivado por anos. Na final de hoje a historia foi bem diferente, o surfe bem surfado, pragmático e encantador de Ethan não apareceu para contrapor ao sempre impetuoso surfe de Griffin, o americano parecia ter em mente devolver toda a frustração imposta por Ethan desde o último encontro dos dois. Sempre a frente no placar, Griffin repetiu a mesma formula para alcançar dois high scores, surfando para a direita Griffin entubou e bateu desgarrando a rabeta sobre o lip, surfando para a esquerda, de costas para a onda, Griffin encaixou na maior onda da bateria, fez um tubo profundo passando por incontáveis seções, até sair limpo para a certeza da vitória, com essa esquerda, Griffin fazia 9.67 pontos, tirando das mãos de Gabriel a maior nota da competição, enfim, Supertubos fez jus ao seu nome, com essas duas ondas Collapinto somou 17,94 pontos, fazendo seu melhor somatório no evento na bateria mais importante do evento. Com a vitória de hoje Griffin vence pela segunda vez em Portugal, de quebra ele ainda assume a liderança do tour deixando Ewing e John John com a segunda e terceira colocações respectivamente. Veja AQUI o ranking masculino e AQUI o feminino.

Em duas semanas a perna australiana começa, com ela pânico e terror entram na equação fazendo parte do dia a dia de muitos surfistas, inclusive brasileiros. Provavelmente depois de Margaret River o Brasil terá o menor time no circuito mundial em 10 anos, Miguel, Samuel, DVD e Caio precisam reagir urgentemente se quiserem garantir suas vagas após o corte, o sinal de alerta está ligado, a tempestade corre risco de perder força, para a alegria dos gringos. Quem não corre nenhum tipo de risco é o campeão Griffin Colapinto, que ao menos em Bells, vai surfar de lycra amarela.

Até la!







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