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Foto do escritorRedação | Vision Surf |

O histórico dia de uma vitória maiúscula, onde Miguel mudou o nome de Teahupoo para TeahuPupo.

Atualizado: 21 de ago. de 2022

Por: Marcos Aurélio Chagas.

Falar de Teahupoo 2022 é falar de algo muito especial, em 35 anos no surfe, poucas vezes vi uma vitória tão significativa e tão merecida como foi a vitória de Miguel Pupo ontem, em uma onda considerada por muitos, como a mais perigosa do tour.

Reproduzir textos em série não é uma opção para a Vision, aqui nós passamos as nossas analises e pontos de vista, presando sempre pela boa construção de ideias, respeitando sempre o fator “merecimento” de cada um, promover um debate, contar uma história ou até mesmo forçar uma reflexão, para nós tem que ser um ato justo. Nesses dois anos de crônicas, sim, somos uma mídia jovem, nunca tivemos nenhum tipo de receio em escrever sobre absolutamente nada, contudo, contar a história da primeira vitória de Miguel é contar um pouco da história de sua vida, e para ser justo com ele, isso requer cuidados especiais, mas antes de falar de Miguel, vamos dar uma passada pelos pontos que também foram destaque em Teahupoo.

Kanoa Igarashi - Foto: Beatriz Ryder

O dia final começou, apesar dos cinco finalistas em Trestles já estarem definidos, ainda restava organizar a fila dos confrontos, Kanoa Igarashi, único entre os cinco ainda vivo no final day de Teahupoo, poderia tirar as posições de Ítalo e Ethan, e, nenhuma mente é tão programada para buscar seus objetivos como a mente do japonês, mas surfe não é uma ciência exata que possa ser resolvida com uma simples programação.


Matthew McGillivray - Foto: Damien Poullenot

Kauli Vaast e Matthew McGillivray iniciaram o dia surfando bem abaixo do nível que imprimiram no dia anterior, Matthew, único surfista a receber a nota máxima, deixou claro que quem quiser vence-lo em condições pesadas vai ter que gostar de condições pesadas, nessas condições ele parece estar em casa, mas, deixando a metáfora de lado, partindo para a vida real, quem estava em casa de fato era Kauli Vaast, profundo conhecedor da bancada de Teahupoo, Kauli soube lidar melhor com a mudança das condições e eliminou um dos melhores surfistas do evento, até o ano que vem Matthew.

Yago colocou Kelly nas cordas, o Careca precisava de um sete alto para virar a bateria, em sua última onda Kelly surfou próximo da nota, poderia alcançar ou não, surpreendentemente ele superou em muito o que precisava, na entrevista o GOAT confessou que não acreditava que viraria naquela onda, mas se os juízes gostaram, ótimo.

Nathan Hedge entrou na agua no dia final com a moral de quem eliminou o líder e o vice-líder do circuito, contudo, perdeu para Caio Ibelli precisando de uma nota inferior a três pontos, assim como na vida, um dia de surfe nunca é igual ao outro, apesar de Nathan fazer a maior nota do confronto, 8.83, foi Caio quem avançou.

Miguel Pupo - Foto: Damien Poullenot

O confronto seguinte trouxe a elegância de Miguel Pupo contra a transpiração de Kanoa Igarashi, para ser surfista do circuito mundial uma coisa é comum entre todos, talento, uns têm mais, outros menos, Miguel é um copo com talento até a boca, Kanoa é aquele copo meio cheio, meio vazio, a diferença entre uma coisa e outra está na vontade, na dedicação, na transpiração que Kanoa emprega em sua carreira para que na maioria das vezes você enxergue o copo meio cheio, Kanoa é 80% de transpiração, mas, por mais que você foque em um resultado, nem sempre a transpiração é o suficiente, a inspiração precisa ser compatível, e ninguém estava mais inspirado ontem do que Miguel, portanto vencê-lo não dependia apenas de transpiração, mas, a inspiração Kanoa parece ter esquecido em casa, ademais, no quesito inspiração, Miguel e Kanoa são incomparáveis.

Com a vitória de Miguel sobre o encrespado Kanoa, tivemos a certeza que um brasileiro estaria na final, já que Miggy encontraria Ibelli na semi.

Kauli Vaast - Foto: Damien Poullenot

Quando a primeira semifinal entrou na água todos esperavam uma batalha sangrenta entre o local mais sinistro que já participou da etapa de Teahupoo e o maior surfista que a humanidade conheceu, contudo, as expectativas não corresponderam à realidade, enquanto esperávamos ver a dupla que não é sertaneja Kelly e Kauli se alternando na liderança a cada onda, o que vimos de verdade, foi o massacre de um garoto de 20 anos que mais parecia um trem desgovernado, destruindo as ambições do tio Kelly, a bateria parecia dar vida a aqueles enredos de filme de bandidos e mocinhos, onde ao final, o “moção” no caso de Kelly, teria um final feliz. Ledo engano, Teahupoo 2022 não foi um enredo de Hollywood, foi a vida real, e na vida real Kelly que vinha sendo um caçador, contra Kauli, virou a caça, uma presa fácil eu diria, já que Kauli marcou 17.33 e Kelly apenas 1.17, possivelmente essa foi a pior bateria que o careca fez naquela bancada.


Miguel e Caio entraram na bateria seguinte sabendo que poderiam ir além, os dois já haviam tido a oportunidade de fazer uma final esse ano, em Pipeline, Miguel perdeu par Kelly e Caio para Seth, em Teahupoo, só um deles poderia avançar, Miguel não poderia deixar escapar pela segunda vez no ano a oportunidade que buscava há 11 anos, o goofy dominou a bateria desde a primeira onda, seguindo confiante para sua primeira final, 11 anos depois de sua ascensão à elite.


Miguel Pupo - Foto: Beatriz Ryder

Teahupoo testemunhou em 2022 uma final inédita, com dois nomes que certamente não eram a aposta de quase ninguém antes da etapa começar, Kauli por ser muito jovem e seu surfe ser pouco conhecido no ambiente competitivo, Miguel pelos motivos contrários aos de Kanoa, Miguel sempre foi inspiração, até um certo ponto a inspiração te conduz, dali em diante, se não houver transpiração a inspiração entra em um ciclo vicioso e começa a andar em círculos, olhando de fora, me parece que foi isso que vinha acontecendo com Miguel, ele entrou em um ciclo onde seus resultados definitivamente não correspondiam ao seu surfe, mas esse ano, tudo mudou.

O talento de Miguel não foi descoberto por um desses “influencers” ou “Coachs”, esse é um dom que vem de berço, ou melhor, da genética, seu pai Wagner Pupo, sua maior influência, foi um dos mais importantes surfistas brasileiros dos anos 80 e 90, Pupo teve a honra de ser TOP16 da era de ouro da ABRASP, por 16 anos. Wagner já foi o quinto melhor surfista do Brasil e um dos competidores mais difíceis de ser batido à sua época, Vala, como é carinhosamente chamado, viu seu exemplo impulsionar a carreira de seu filho mais velho, Miguel, e Miguel serviu de exemplo para impulsionar a carreira de seu irmão mais novo, Samuel, hoje, sexto e decimo melhores surfistas do mundo respectivamente. Que influência heim Vala!

Miguel e Samuel Pupo - Foto: Damien Poullenot

Chegar ao posto de sexto melhor surfista do mundo quando seu país está há anos brigando pelos títulos, pode soar um pouco comum, mas ser o sexto melhor surfista do mundo é um privilégio que poucos alcançaram, para chegar lá Miguel passou por fases difíceis, perda de patrocínio, abalo em sua autoconfiança e questionamentos internos serviram de fomento para um amadurecimento pessoal que culminou em algumas mudanças que lhe levaram ao ponto onde ele chegou.

Miguel entrou no tour em 2011, na metade da temporada, em 2012 depois de correr todas as etapas finalizou o ano com a 17 posição, nos anos seguintes, 13 e 14, Miguel terminou na 19ª colocação, seus melhores resultados até então eram quartas de final, então, na abertura da temporada de 2015, na belíssima Gold Coast, Miggy fez sua melhor etapa, terminando na 3ª colocação ao perder apertado para Julian Wilson, essa etapa entrou para a história não pela performance de Miguel, mas sim por ter sido a primeira vitória de Filipe Toledo na elite. Com a terceira colocação logo na abertura do circuito, nós acreditávamos que Miguel tinha virado a chave e à partir dali faria sua melhor temporada, com resultados mais condizentes com seu surfe, mas nas dez etapas seguintes Miguel perdeu de cara em sete delas, o que resultou em sua pior campanha, ele terminou o ano na 27ª colocação, caiu, mas se requalificou pelo QS.


Miguel Pupo em Pantin - Foto: WSL

Em 2017 Miguel caiu novamente, mas ao contrário de 2015, desta vez ele não conseguiu a requalificação, Miggy amargou todo o ano de 2018 no QS sem conseguir nenhum resultado expressivo, consequentemente, mais uma vez sem se requalificar, em 2019 ele venceu o QS 10.000 na Galícia e seu caminho para voltar à elite se concretizou, depois de vencer em Pantín Miguel deu um depoimento emocionadíssimo, nele Miggy falou das dificuldades, das incertezas e a dura realidade que vivia o surfista brasileiro sem patrocínio e fora da elite, ele abriu seu coração como poucos fizeram, acredito que suas palavras tenham emocionado a maioria das pessoas que viu aquele depoimento, nós da Vision que já éramos fãs dele por seu surfe refinado, passamos a ter ainda mais respeito e admiração pela força que Miguel precisou ter para alcançar seu objetivo de voltar à elite, ele mostrou que a nossa maior glória não reside no fato de nunca cairmos, mas sim na forma como levantamos depois da queda.

Em 2020 o tão sonhado retorno a elite era real, o que não parecia real, era que viveríamos o sonho de sonhador do maluco beleza, mas, o dia em que todas as pessoas do planeta inteiro, resolveram que ninguém ia sair de casa chegou, e, nem tão poeticamente assim, a terra parou. O sonho de voltar à elite teve que ser adiado por mais um ano.

Em um mundo cheio de sequelas emocionais, psicológicas e físicas o tour voltou com 14 dias de confinamento na Austrália, depois de boa parte da população se vacinar. Miguel enfim ré estreou na elite e viu seu amigo de uma vida se tornar tricampeão mundial em um modelo de competição injusto, apesar do resultado justo.

Miguel Pupo - 3º colocado em Pipeline 2022 - Foto: WSL

Em 2022 vimos um Miguel diferente, não na inspiração, essa continua a mesma, mas vimos um Miguel com mais transpiração, ele declarou que nos anos anteriores “acabou confiando muito em seu talento”, e que esse ano a diferença está no fato dele ter trabalhado ainda mais duro na busca por um lugar mais justo para seu surfe, como resultado de todo esse esforço, vimos ontem a vitória de um gigante que trilhou o caminho certo para colocar seu surfe no patamar onde ele sempre mereceu estar, no topo do pódio, para coroar ainda mais essa trajetória de reconstrução, Miguel não venceu em uma etapa qualquer, ele venceu na onda mais temida por muitos, em Teahupoo, bancada onde uns se divertem, outros pagam seus pecados.

Não podemos esquecer também que a presença de seu irmão mais novo, Samuel, aquele moleque que tinha pouco mais de 10 anos quando Miguel entrou na elite, pode ter funcionado para Miguel como um fator de conforto espiritual e também motivacional, vimos ontem uma explosão gigante de boas energias partindo de Samuel durante as baterias de Miguel, não podemos esquecer isso.

Miguel Pupo - Final Teahupoo - Foto: Damien Poullenot

Na final de ontem o local Kauli Vaast chegou no lineup com a tranquilidade de quem escovou até a alma de Kelly, com pinta de campeão, mas, Kauli viu Miguel fazer com ele o que ele tinha feito com o GOAT, sem a prioridade nas mãos, Miguel foi trocando nota atrás de nota, quando enfim Kauli começou a reagir, despertou em Miguel um competidor ainda mais determinado, Kauli fazia um sete baixo, Miggy ia lá e fazia um sete alto, até o momento em que ele percebeu que tinha que partir para notas maiores, Miguel aumentou seu grau de comprometimento e suas notas evoluíram para oito e nove, fazendo da final sua melhor bateria, somando 17.17 pontos, contra 15.00 de Kauli Vaast.

Miguel Pupo e Kauli Vaast - Foto: Damien Poullenot

Parabéns Miguel, o sucesso não é outra coisa senão perseverança disfarçada, ele nasce do querer, da determinação e da persistência em chegar a um objetivo, você foi seguro, centrado, iluminado, na bateria final surfou como se estivesse naquela posição pela enésima vez, sua primeira vitória não poderia ser em uma onda diferente, mais uma vez parabéns, você foi gigante em Teahupoo, depois de gravar seu nome na bancada mais perigosa do planeta, poderíamos até apelida-la de TeahuPupo, seria uma homenagem mais que justa com a sua história e ao seu feito, como os polinésios certamente não permitirão, a nós, resta dizer, obrigado Miguel, seu feito foi lindo, foi grande!

Aloha!






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